O grupo conhecido como Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, tem muitas divergências e um ponto em comum: o desafio à ordem internacional comandada pelo clube dos chamados países ocidentais, que tem o Japão como membro honorário - desafio que merece qualificação, já que ficou no passado a ambição de confrontar o sistema capitalista, como sonharam antigos agrupamentos plurinacionais. Indiferente ao ceticismo que ronda as iniciativas do grupo, o governo brasileiro planeja fortalecer, com os heterogêneos parceiros, propostas próprias de política externa. Um de seus primeiros testes será o G20.
Nos próximos dias, os ministros de Finanças dos cinco países deverão se reunir, como já costumam fazer às margens das reuniões do próprio G20 (o grupo das economias mais influentes do planeta) e nas reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Mas, desta vez, em lugar da troca informal de impressões e propostas que caracteriza essas reuniões, a presidente Dilma Rousseff orientou o Ministério da Fazenda a buscar um documento comum, uma proposta unificada dos Brics para influir no documento final da próxima reunião do G20, em junho, no México.
"No G20, vamos transmitir uma forte mensagem de coesão política, tanto Brasil e Índia quanto os Brics", adiantou a presidente, em um seminário empresarial, há duas semanas, durante viagem à Índia. A reunião de governantes dos Brics, que levou Dilma a Nova Déli, já esboçou o que deverá conter a proposta do grupo para o G20, se, de fato, se confirmar a previsão de Dilma quando à "coesão" de um grupo com interesses geopolíticos e econômicos tão distintos.
Ministros de Finanças discutirão proposta conjunta
Conscientemente ou não, as pretensões de Dilma visam impedir que o México, anfitrião do encontro, dê o tom, pelo lado dos países emergentes, ao documento final que orientará as futuras ações do G20. Já na semana passada, o habitualmente discretíssimo subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Valdemar Carneiro Leão, em entrevista ao Valor, acusou os mexicanos de propor uma agenda de discussões sobre comércio para atender, "essencialmente, ao interesse dos países desenvolvidos", ignorando demandas por liberalização do comércio agrícola e outros temas de interesse do Brasil.
Em meados de março, os mexicanos convocaram, em Montevidéu, às margens da assembleia do Banco Interamericano de Desenvolvimento, uma reunião de ministros latino-americanos para colher subsídios ao documento. Argentina e Brasil, únicos países latino-americanos além do México, a ter assento no G20, faltaram à reunião. Segundo resumiu para a imprensa o secretário mexicano da Fazenda, José Antonio Meade, um dos principais consensos do encontro foi a condenação ao protecionismo como resposta à crise - os mexicanos, colombianos, chilenos e peruanos falaram francamente que pensam questionar na OMC recentes medidas protecionistas argentinas.
Dilma tem condenado o protecionismo, mas lança mão de volteios retóricos para justificar as próprias iniciativas contra importados, justificadas como mera compensação da concorrência desleal de produtos de países turbinados pelo que chama de "tsunami cambial". O desejo de ter a China ao lado na campanha contra as políticas monetárias dos países ricos faz com que a presidente seja incapaz de condenar com tanta veemência a desvalorização artificial do yuan.
Fechando os olhos aos pecados próprios e aos dos parceiros, está claro que a proposta que Dilma espera ver apresentada no G20 buscará nos Brics poder de pressão para cobrar dos países ricos "reformas estruturais" capazes de criar empregos e sustentar o crescimento. Os Brics concordam também em responsabilizar a "liquidez excessiva", criada pelos bancos centrais do mundo desenvolvido, pela volatilidade no fluxo de capitais e nos preços das commodities internacionais. Na Índia, os Brics pediram "coordenação macroeconômica ampliada" a partir da reunião do G20. Como fazer isso é tema para os ministros de Finanças do grupo. Reformar FMI e Banco Mundial faz parte da receita.
Preocupados com os "riscos de amplos e voláteis fluxos de capital através das fronteiras", os Brics concordam em cobrar fortalecimento da coordenação de políticas e de regulação e supervisão financeira. É uma agenda aceitável, mas que deixa dúvidas sobre a possibilidade de ser desdobrada em propostas concretas a serem assinadas em conjunto por Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul. Os chineses têm sido os mais enigmáticos em suas declarações de apoio às iniciativas propostas dentro dos Brics. As palavras do presidente Hu Jintao na Índia eram vaporosas como as de um oráculo distante.
A reunião dos ministros das Finanças poderá mostrar se, contra expectativas de boa parte dos analistas, os Brics poderão, de fato, apresentar um novo modelo de atuação para atores emergentes na cena internacional. Nesse novo modelo, caso exista, o Brasil pode ter uma boa plataforma para sua agenda diplomática, ou servir de plataforma para a agenda de outros.
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