terça-feira, 3 de abril de 2012

Brasil e Argentina, coluna vertebral sul-americana

Fonte: Valor Econômico
Autor: Diego Viana

Apesar de períodos de desconfiança mútua e disputas na política como no futebol, a relação bilateral entre Argentina e Brasil entra no século XXI como uma parceria fundamental para ambos. A história da parceria fundada sobre o antagonismo é o tema de "Argentina, Brasil: de Rivales a Aliados", de Mario Rapoport e Eduardo Madrid, lançado no país vizinho pela editora Capital Intelectual.

Contando quase metade da população do subcontinente, Brasil e Argentina passaram por regimes autoritários, populistas e democráticos e realizaram uma industrialização liderada pelo Estado, mas entremeada por períodos livre-cambistas. Enfrentaram crises de dívida externa e de hiperinflação e mudaram o nome de suas moedas mais de uma vez.

Desde os anos 1990, os dois países formam a "coluna vertebral" da economia sul-americana, segundo o economista Mario Rapoport, que falou ao Valor por telefone de sua casa em Buenos Aires. Apesar das dificuldades, diz o professor da Universidade de Buenos Aires, o Mercosul é uma realidade incontornável e a proposta da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) será o caminho de inserção do continente na economia mundial.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: O livro indica que mesmo quando as relações entre Brasil e Argentina eram marcadas pela rivalidade, a aproximação bilateral já ia de vento em popa.

Mario Rapoport: É preciso frisar que há uma forte complementaridade econômica entre os dois países. Essa complementaridade explica por que o Mercosul conseguiu ser construído e encontrasse um certo êxito. Argentina e Brasil formam a coluna vertebral da economia sul-americana. São os maiores territórios, as maiores populações e as maiores economias, chegando da Terra do Fogo à Amazônia. A união dos dois países é estrategicamente imprescindível.

Valor: Historicamente, como se deu essa união?


Rapoport: As iniciativas de aproximação são antigas. Em 1961, houve o encontro de Uruguaiana, dos presidentes Arturo Frondizi e Jânio Quadros. Esse foi o germe do Mercosul, bem antes do encontro de Sarney e Alfonsín, em 1985. O que interrompeu a iniciativa foi o golpe de 1962, que destituiu Frondizi. Mas esse foi o primeiro de uma série de acordos, um processo de aproximação talvez difícil de perceber no plano da retórica, mas que foi inexorável. O Mercosul foi o cúmulo desse processo.

Valor: Até então, a julgar pelo livro, o desenvolvimento econômico era um motivo de desconfiança, em vez de colaboração, sobretudo depois da instalação da usina siderúrgica de Volta Redonda, em 1946.

Rapoport: A aproximação do Brasil com os EUA na guerra foi difícil de entender para os argentinos, porque as lideranças brasileiras eram mais próximas dos alemães. Sobretudo a cúpula militar, amplamente pró-Alemanha. Mas a posição geográfica do Brasil levou os americanos a cortejar o governo brasileiro, e Getúlio Vargas interveio na guerra ao lado dos aliados. A usina era necessidade da nova burguesia brasileira, que buscava consolidar o crescimento industrial. Os EUA queriam que isso se fizesse por uma empresa americana. Vargas conseguiu que fosse uma empresa brasileira, embora financiada por capitais americanos.

Valor: Se o tempo era de rivalidade, a instalação dessa indústria no vizinho deve ter acendido um alerta nas elites políticas argentinas.

Rapoport: Apesar da rivalidade, a aproximação se tornou mais forte a partir desse período. Aí começava o desenvolvimentismo. Perón tentou instalar uma siderúrgica na Argentina e finalmente isso se conseguiu no governo de Frondizi. As ideias do desenvolvimentismo levaram a um certo paralelismo do processo nos dois países.

Valor: O livro se refere de maneira esperançosa à criação da Unasul. Diante de instituições transcontinentais, como o G20 e os Brics, o que a Unasul terá a contribuir?

Rapoport: Para a América do Sul, é um desenvolvimento que se volta para dentro e conta com um mercado de 400 milhões de pessoas. Esse mercado passa a ser plenamente integrado: não serão só 200 milhões de brasileiros ou 45 milhões de argentinos. A Unasul poderá ser uma enorme plataforma de lançamento para a inserção do continente na economia mundial.

Valor: A evolução do Mercosul, com quatro países, é lenta e conflituosa. Com todo o continente, os conflitos não seriam mais intensos?

Rapoport: As controvérsias no Mercosul têm mais repercussão do que os avanços, mas eles existem e são fortes. As controvérsias são pontuais. Os setores econômicos querem avançar seus interesses e se manifestam. É normal. Mas isso não significa que a integração não esteja avançando. Está e a evolução do comércio bilateral Brasil-Argentina demonstra isso: passou de US$ 3 bilhões em 1991 para US$ 30 bilhões em 2008. O desafio, agora, é fazer com que essa integração se institucionalize, ou seja, pensar mecanismos para que as convergências aconteçam com fluidez.

Valor: O Banco do Sul, proposto pela Unasul, é um exemplo?

Rapoport: É possível, mas ainda falta muito para que ele se torne algo efetivo. Há um vão enorme entre a afirmação da existência e a existência de fato. Não podemos nos esquecer da época em que vivemos. O sistema financeiro no mundo está travado, o que dificulta iniciativas como essa. Há alguns anos, se falava até em fazer moeda única. Já não se fala mais assim. Com a crise do euro, ficou a impressão de que a moeda única é um estorvo.

Valor: A América do Sul passa por um momento de governos na centro-esquerda, inspirados por Lula. O governo mais à direita, o chileno, é o que menos se entusiasma pela iniciativa. O vínculo de natureza conjuntural da Unasul não a enfraquece a longo prazo?

Rapoport: A Unasul é uma realidade quase inevitável, como resultado de uma integração econômica, social e cultural que não tem como não crescer. O isolamento regional é impensável nos próximos anos.

Valor: Argentina e Brasil sendo a coluna cervical da economia do continente, o que cada um tem a ganhar do outro?

Rapoport: Convém muito à Argentina uma aliança com um país que tem mais envergadura e integra o grupo principal dos países emergentes. É a sexta maior potência mundial, tem outra posição no mundo. E o Brasil necessita de um país que o interprete no mundo hispânico. Esse país é necessariamente a Argentina. Uruguai e Paraguai são muito pequenos, o Chile sempre manteve posições muito diferentes do Brasil. Colômbia, Venezuela, nenhum desses países tem a envergadura necessária. A Argentina, sim. Essa parceria é importante para o futuro da região.

Argentina, Brasil: de Rivales a Aliados
Mario Rapoport e Eduardo Madrid. Capital Intelectual, 356 págs, 95 pesos argentinos

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