Em seu último comparecimento ao Senado Federal, o ministro Guido Mantega listou a queda da taxa Selic entre as chamadas "medidas de defesa cambial" adotadas pelo governo para salvaguardar a indústria manufatureira nacional. Parece não haver melhor evidência do que esta para indicar que a política de juros não mais objetiva exclusivamente o controle da inflação, o que seria de se esperar em um país que pratica o regime de metas para inflação. No Brasil, pelo que se depreende da apresentação do ministro Mantega, na fixação dos juros, o Copom também visaria evitar a sobrevalorização da moeda brasileira e prejuízos a nossa indústria.
Há sérios riscos nessa estratégia, caso ela de fato prevaleça. Ao desviar o uso do principal instrumento de política monetária para outros fins que não o da estabilidade de preços, o governo aumenta o risco da criação de desequilíbrios internos que levariam à aceleração da inflação e ao não cumprimento da meta nos próximos anos. Além disso, o Banco Central passa a depender mais fortemente do apelo a outros instrumentos para integrar o cardápio da política monetária, em um contexto no qual a taxa de juros serve a vários fins ao mesmo tempo, o que acaba por trazer distorções adicionais ao mercado de crédito, sem obter-se plenamente a mesma eficácia no controle da demanda agregada.
As preocupações com a indústria, por mais legítimas que sejam, não podem ser atendidas com políticas que prejudicam a estabilidade macroeconômica. Este fato é tão óbvio que deveria dissuadir o governo do emprego da política cambial e da política de juros como instrumentos de estímulo ao setor manufatureiro nacional. Porém, o que se vê nos últimos meses é certa relativização da importância do equilíbrio macroeconômico, em favor da necessidade urgente de defesa da produção doméstica contra as várias "guerras" externas, imaginárias ou reais.
O governo acredita ser possível desvalorizar o câmbio real, com uma política simultânea de restrição à entrada de capitais, intervenções do Banco Central (BC) no mercado cambial e redução da taxa real doméstica de juros. Ao mesmo tempo, pretende manter o salário real em crescimento, como sinaliza, por exemplo, a atual política de reajustes do salário-mínimo. Tudo isso, combinado com uma meta declarada de manter o crescimento do PIB acima dos 4% ao ano, pode desaguar na aceleração inflacionária que, como resultado, acabaria por apreciar o câmbio real e reduzir os salários reais, na contramão, portanto, das intenções originais do governo. Em tal contexto, a manutenção do contraponto positivo observado em 2011 com o aumento do superávit primário tornou-se ainda mais relevante e imprescindível, mas as pressões derivadas do reajuste do salário-mínimo e da necessidade de manter os investimentos públicos provavelmente levarão a política fiscal a se mostrar mais expansionista no corrente ano.
Quanto às vicissitudes da indústria nacional, entendo que a manutenção do tripé de políticas macroeconômicas - câmbio flutuante, regime de metas para inflação e superávits fiscais primários - é condição necessária para se encontrar uma solução sustentável para os elevados custos domésticos e a falta de competitividade observados na produção doméstica de manufaturas. Por outro lado, considero não ser tampouco razoável uma postura passiva nas políticas públicas, atribuindo-se as dificuldades da indústria apenas às suas desvantagens comparativas no sentido ricardiano do termo. Isso seria fechar os olhos à existência de uma série de distorções domésticas que, embora atingindo todos os setores da economia brasileira, parecem recair mais fortemente sobre alguns setores industriais.
Sendo assim, a correta resposta do governo estaria primordialmente em políticas horizontais que reduzissem o "custo Brasil". Entre elas, poderíamos mencionar a redução da complexidade do sistema tributário e a eliminação completa de tributos que oneram as exportações. Ainda no campo dos impostos e contribuições, é necessária a redução da taxação fortemente incidente sobre insumos como a energia elétrica, mediante uma redistribuição inteligente da carga tributária. Além disso, a redução dos custos associados à folha salarial também se mostra relevante, notadamente numa conjuntura de redução sustentada do desemprego no país. A melhora da infraestrutura - principalmente na área da logística - também deveria constar entre as prioridades do governo, havendo ainda muito a se aperfeiçoar no ambiente regulatório com o intuito de atrair investimentos privados para esse setor.
Finalmente, vale mencionar que uma política de restrições às importações não pode ser considerada como parte da solução dos problemas da indústria doméstica. Ao contrário, o aumento da competitividade no setor manufatureiro doméstico passa necessariamente pelo livre comércio, fonte importante e insubstituível de incremento da produtividade na indústria. Por óbvio, isso não implica adotar postura passiva sempre quando houver evidência de práticas desleais de comércio por outros países.
Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras.
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