segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Você tem medo da China?

Fonte: Correio Braziliense
Autor: Marcio Abdenur
Economista e cientista político, é fundador e vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China

Estava numa lotérica em Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, pouco tempo depois da tragédia que matara quase mil pessoas, no ano passado, quando quatro mulheres à minha frente falavam como a enxurrada, ao destruir seus locais de trabalho, as havia prejudicado e se encontravam sem perspectivas de emprego por culpa da invasão dos produtos chineses. Calado, ouvi e percebi que o temor da China se alastrara por todos os segmentos da sociedade. Era a sinofobia. Mas a que se deve o surgimento e o crescimento desse sentimento no Brasil?

A China se desenvolveu nos últimos 25 anos após embates políticos que conduziram ao poder líderes desenvolvimentistas e administradores competentes. O país passou a atrair grandes investimentos estrangeiros que possibilitaram a construção de gigantesco parque industrial associado a invejável infraestrutura. Mas o suor do esforço do povo chinês sempre foi o principal fator de todo esse processo, nas frentes de trabalho.

Contudo, agora virou moda alardear o catastrofismo e a sinofobia, como que atribuindo sub-repticiamente à China a razão das causas da grande crise financeira que afeta o mundo. A crise é uma realidade, mas basicamente norte-americana e europeia. Os riscos de seu agravamento são concretos e poderemos nos confrontar com uma nova situação como a da Grande Depressão, de 1929-1939, que afetará negativamente a quase totalidade das economias do planeta, inclusive a nossa.

Como consequência dessa crise e também em decorrência do seu desenvolvimento econômico, estamos assistindo a natural crescimento da importância política da China no cenário mundial, ao mesmo tempo em que ocorre temporário declínio da hegemonia norte-americana. Muitos artigos têm sido escritos e palavras soltas repercutem na mídia nacional sobre a China. Chama a atenção que as análises dos novos especialistas em cenários internacionais desconsiderem simples projeções do futuro imediato.



É preciso levar em conta, por exemplo, que, por volta de 2024, a Índia deverá se tornar o país mais populoso do mundo, com 1,5 bilhão de habitantes, ultrapassando a própria China. Com uma mão de obra mais em conta, a Índia deverá atrair novos investimentos das empresas transnacionais em busca da otimização dos lucros. Hoje, outros países da região estão participando de acirrada disputa para atrair novos investimentos estrangeiros, como o Vietnã, Camboja e Tailândia.

Quanto ao Brasil, o que vale ressaltar é que a China não foi responsável pela contração do nosso parque industrial. O problema foi ocorrendo em função de decisões políticas e econômicas de diversos dos nossos governos, ao longo dos anos. Enquanto regredíamos no setor, os chineses, em sentido oposto, o aceleravam, graças às captações dos investimentos estrangeiros. Como resultado, agora, a contribuição do setor industrial da China para o PIB é quase 150% maior do que o americano. E o brasileiro, destaque-se, outros 50% maior.

À medida que vai sofisticando o parque industrial, a China repassa para outros países algumas das suas indústrias que, por vários motivos, se tornam desinteressantes, às vezes pelo elevado consumo de energia. E, nesse contexto, o Brasil está sendo privilegiado porque estamos recebendo indústrias de tecnologia de ponta. Cabe refletir, ainda, se seremos ou não capazes de introduzir reformas nos sistemas tributários, trabalhista e outros, além de efetuar os tão desejados investimentos para recriar as nossas infraestruturas. No conjunto, essas medidas elevarão em muito a nossa competitividade internacional.

Infelizmente, projetar o futuro de curto prazo não tem sido método de análise ou de administração bem praticado no nosso país. E assim se fala sobre o que não se vê. E muito do que não se vê é o que precisa ser de fato considerado. Não tenha medo da China, mas de nós mesmos como cidadãos do Brasil.

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