Os chineses estão comprando já há alguns anos, mas certos fatores devem fazer com que cresça neste ano o apetite chinês por ativos no exterior. O Brasil deve ser um alvo preferencial, e a China pode se tornar em poucos anos o maior investidor externo por aqui.
O investimento chinês em fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês] no exterior cresceu solidamente nos últimos três anos, atingindo US$ 61,2 bilhões em 2011, segundo dados da consultoria Dealogic (veja gráfico). Isso representa a maior parte dos US$ 72,4 bilhões que Pequim estima ter investido no exterior no ano passado. Esses dois valores são recordes.
"As empresas chinesas são cada vez mais importantes em M&A global. Achamos que, entre 2010 e 2020, elas investirão no exterior US$ 1 trilhão. É um processo de crescimento estrutural", afirmou Thilo Hanemann, diretor de pesquisa do Rhodium Group, uma consultoria americana especializada em investimentos.
Três fatores vão estimular neste ano os investimentos chineses.
O primeiro já vem de anos: é a necessidade de garantir o suprimento de energia, recursos naturais e alimentos ao país. "Esse ainda é o motor principal do investimento chinês", disse Oded Shenkar, professor de Administração na Ohio State University e autor dos livros "O Século da China" e "Copicats - Melhor que o Original". Mesmo se a China desacelerar, ele crê que o pouso será suave e a demanda por recursos continuará forte.
O segundo fator ficou mais evidente em 2011, com a crise da dívida europeia e a ameaça de calote americano: a necessidade de Pequim de diversificar seus investimentos, limitando a exposição a títulos soberanos. "Por causa da balança comercial, há muito capital na China. Os chineses costumam comprar títulos soberanos, especialmente americanos. Mas o governo quer reduzir a exposição. Há uma tendência clara de mudança do portfolio, de títulos para ativos reais", disse Joel Moser, sócio da Bingham McCutchen, escritório de advocacia com forte atuação na área de investimentos.
O terceiro fator é o crédito fácil e barato, frequentemente estatal, o que deixa empresas chinesas em vantagem em relação a rivais ocidentais que estão com dificuldade de se financiar nos bancos e mercados de ações locais. "O acesso a financiamento é fácil, e o custo do capital é baixo para as empresas chinesas", afirmou Ricardo Carvalho, sócio da M&A Transactions Services e líder do Chinese Services Group, ambos da Deloitte no Brasil. O custo financeiro menor, diz ele, faz com que os chineses possam aceitar taxas de retorno menores.
Outro fator, conjuntural, deve atrair o capital chinês neste ano: a oferta de ativos seguros e subavaliados na Europa, onde os governos estão iniciando planos agressivos de privatização e onde os bancos terão de vender ativos para levantar capital. Mas esse fator não deve ser determinante.
"Não vejo a China agindo como um fundo abutre, indo atrás de repente de explorar o preço reduzido de ativos europeus", disse Moser. "Empresas que pensavam em investir na Europa nos próximos cinco anos podem acelerar isso", afirmou Shenkar.
Para analistas, a China entrou numa nova fase de gasto externo. Após focar em facilitação de comércio (portos, ferrovias etc.) e recursos naturais, o país agora que subir na cadeia de valor, com a compra de tecnologia ou com uma melhor inserção nas redes de distribuição globais. "Acho que eles buscarão nos EUA e na Europa empresas com tecnologia e marcas de bens de consumo valorizadas", disse Hanemann.
"O movimento de expansão chinês é uma estratégia de governo", disse Carvalho. "E o plano quinquenal em vigor [até 2016] visa não só garantir recursos naturais, mas ganhar tecnologia e "market share"."
Um caso exemplar citado foi a aquisição da Volvo Cars pela Geely, em 2010. "A Geely não tinha tecnologia avançada, não tinha uma marca global, não tinha um histórico de segurança, não tinha experiência em administrar uma empresa global. Ela obteve tudo isso com a compra da Volvo", disse Shenkar.
Hanemann vê obstáculos a um crescimento mais acelerado do investimento chinês. "Ainda há barreiras naturais. Em muitas empresas falta capacidade, falta know-how de fusões e aquisições, falta pessoal qualificado para integrar estruturas e manter operações no exterior." Ele acha que os investimentos vão crescer neste ano, mas não muito em relação à tendência recente.
Hanemann cita ainda a resistência de muitos países ao capital chinês. Outros analistas creem (assim como o governo chinês) acham que a crise fez essa rejeição diminuir. Persiste a preocupação, porém, com áreas sensíveis de segurança nacional.
O Brasil deve se beneficiar dessa expansão. "Em quatro ou cinco anos, o investimento chinês no Brasil chegará a US$ 40 ou US$ 50 bilhões. A China se tornará o maior investidor no país", disse Carvalho. Para ele, a segunda onda (depois da África) de investimento chinês em recursos naturais será na América Latina.
Shenkar alerta que muitos países não têm uma estratégia para receber o capital chinês. "É preciso encorajar o investimento que eleva o emprego. Mas há investimentos que reduzem o emprego, quando o comprador se apropria do que lhe interessa e fecha a produção. Isso não tem valor para a economia local."
"Esse processo [a expansão das empresas chinesas] vai aumentar dramaticamente. Os países devem se preparar, pensar em que tipo de investimento chinês querem. A maioria está fazendo uma avaliação caso a caso, não tem uma política clara", afirmou.
Humberto Saccomandi é editor de Internacional. Escreve mensalmente às quintas-feiras
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