terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Brasil e UE tentam acordo sobre carne

Fonte: Valor Econômico
Autor: Por Tarso Veloso


Acordo pode evitar disputa com UE na OMC

Mantida sob reserva, uma negociação entre o governo brasileiro e autoridades da Comissão Europeia (CE) busca um acordo para sepultar um eventual contencioso na Organização Mundial do Comércio (OMC) por restrições à importação de carne bovina do Brasil pelos europeus, segundo apurou o Valor.

O governo já havia decidido questionar a obrigatoriedade do credenciamento individual de cada fazenda autorizada a fornecer gado ao bloco europeu. A abertura do processo dependia, porém, da decisão do setor privado de pagar os custos da ação na OMC, calculados em US$ 1,5 milhão. Em novembro, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) resolveu bancar a disputa. Estão em jogo exportações anuais estimadas em US$ 1,2 bilhão.

O que se viu nos últimos dias, entretanto, aponta para um congelamento do processo na OMC e para uma espécie de "blindagem" aos europeus, com a desistência do Brasil em questionar as regras impostas em troca de uma redução das exigências - e não de um ponto final à lista imposta pela UE.

Uma negociação reservada entre Itamaraty, Abiec, Ministério da Agricultura e autoridades sanitárias da UE avança nos bastidores diplomáticos para evitar uma briga na OMC. Os europeus ofereceram reduzir parte da Diretiva nº 61, em vigor desde 2008. Eles propuseram que todas as fazendas fossem oficialmente auditadas pelas autoridades brasileiras antes da aprovação e publicação da licença para exportar.

Também concordaram que os relatórios de auditorias nas propriedades estariam apenas disponíveis para a CE e que houvesse somente 10% de "re-auditorias" nas fazendas, baseado no risco de infecção do rebanho. Por fim, os europeus permitiriam que a lista das fazendas fosse publicada apenas no site do Ministério da Agricultura, e não mais no Diário Oficial da Europa.

A oferta fez brilhar os olhos de parte das autoridades brasileiras. Algumas, porém, relutam. E consideram tratar-se de uma armadilha. Isso porque está prevista uma auditoria de veterinários europeus, no Brasil, em março de 2012. A visita, segundo apurou o Valor, pode reduzir a margem de manobra do Brasil, já que, em caso de encontrarem problemas no sistema brasileiro de rastreamento (Sisbov), os europeus podem voltar a elevar suas exigências. Nesse caso, entendem parte do governo e do setor privado, haveria um risco elevado em abrir mão do direito de questionar os europeus na OMC.

A Diretiva 61 obriga o Brasil, além de credenciar individualmente as fazendas fornecedoras de gado, a garantir o rastreamento dos bovinos desde o seu desmame. A regra surgiu após a descoberta de casos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul e Paraná, no fim de 2005.

Essa norma, que o Ministério da Agricultura tenta derrubar desde 2009, reduziu em 77% o volume de vendas de carne aos europeus desde 2007, o último ano de comércio normal. Há quatro anos, o Brasil fechou com 195,2 mil toneladas e US$ 1,09 bilhão em carne bovina vendida à UE. De janeiro até novembro de 2011, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), foram 45,5 mil toneladas (US$ 450,3 milhões). Hoje, estima o governo, haveria um mercado para até US$ 1,5 bilhão de cortes especiais para a Europa, mesmo com a crise financeira.

Os rumos da negociação e os interesses do setor privado começaram a mudar durante a visita de uma missão brasileira a autoridades sanitárias europeias em Bruxelas, no dia 22 de novembro. No encontro, discutiu-se a Diretiva 61. Até então, o Brasil pedia a revogação da norma.

Depois das conversas, entretanto, uma divergência na delegação brasileira mudou, de forma repentina, o rumo da negociação. O setor privado, que concordou em financiar a empreitada na OMC, não admitia abrir mão do contencioso. Mas, após o encontro, começou a ser costurado com os europeus um acordo que fugia ao combinado entre governo e empresários. O setor privado passou a enxergar no acordo uma chance de ganhos imediatos sem a longa espera de um processo na OMC. No comando da missão, estava o secretário substituto de Defesa Agropecuária, Enio Marques Pereira.

Durante as conversas, apurou o Valor, o lado brasileiro passou a propor a revisão da Diretiva 61, em vez de sua suspensão - desde que embasado em algumas mudanças. A primeira, ofereceu o Brasil, seria a gestão da lista de fazendas autorizadas a exportar diretamente pelas autoridades brasileiras. Além disso, a publicação da lista ficaria na página do governo brasileiro e os relatórios de auditoria não seriam mais transmitidos para a CE.
Após o encontro de novembro, a Comissão de Saúde do Consumidor da UE (DG Sanco, na sigla em inglês) autorizou o acordo de Bruxelas. A diretora-geral da DG Sanco, Paola Testori, porém, avisou que, caso fossem encontradas falhas durante a visita dos auditores europeus, em 2011, a situação poderia ser revista. Parte do governo discordou e abriu-se um cisma entre os negociadores brasileiros. Agora, a resolução do tema está nas mãos do ministro Mendes Ribeiro.

Diante da situação, o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Fernando Sampaio, diz que a "ameaça" do governo brasileiro deve levar a UE a flexibilizar suas exigências. "Em janeiro, a UE deve propor um acordo. Vamos aguardar os termos para saber se continuamos com a ideia da OMC ou não". Se a proposta for do interesse da Abiec, afirma, é possível desistir do processo e aceitar o acordo para retomar as exportações. "Se eles propuserem o que pedimos, o painel não será necessário", considera Sampaio.

Dias antes da reunião em Bruxelas, o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Célio Porto, disse ao Valor que era "unânime" a decisão do governo brasileiro em reclamar da UE na OMC. Consultado novamente, Porto não se manifestou. Em nota, sua assessoria informou que "não existem novidades sobre o caso do Brasil entrar na OMC sobre as exportações de carne para a UE".

Outra parte do setor privado é mais crítica. Pecuarista e presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto, avalia que o início da negociação foi "equivocado".

De acordo com ele, o sistema em discussão já nasce com "graves irregularidades" perante à OMC. A decisão de aprovar um contencioso foi precipitada, segundo ele. "Embora se saiba que o atual sistema é irregular perante a OMC, não se tinha uma proposta definida de um novo sistema, regular, de desejo do Brasil", afirma.

Experiente negociador, Camargo Neto diz que as mudanças, se aprovadas, excluirão do Sisbov as pequenas e médias fazendas. "Na prática, só incorpora grandes propriedades, em particular os confinamentos dos grandes frigoríficos. O resultado será a inviabilização de frigoríficos menores em exportar para a União Europeia".

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