segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Brasil como modelo

Fonte: Valor Econômico
Autor: Sergio Leo

Diplomatas, como certos políticos, são especialistas em dizer o que o interlocutor quer ouvir. É uma maneira inteligente de preparar o terreno para o que se quer realmente falar. Ultimamente, nos meios diplomáticos, tornou-se hábito entre os estrangeiros dizer a brasileiros que o Brasil tem muito a ensinar ao mundo.

Capturada a atenção - e, quem sabe, a simpatia - do ouvinte, o comentário elogioso geralmente é seguido.... por exemplos convincentes de que o mundo está realmente interessado em aprender com o Brasil. Negócios bilionários estão entrando por esse caminho.

A Índia, que receberá a presidente Dilma Rousseff em março, tem forte interesse em discutir a gestão de programas sociais com o governo brasileiro. Como disse um diplomata indiano, ambos os países são democracias "confusas", com populações grandes, sociedades complexas e maltratadas pela corrupção. O legítimo interesse em tornar eficientes os programas sociais, visível tanto em Brasília quanto em Nova Déli, deve fazer com que esse tema comum avance além do tradicional lero-lero dos manifestos diplomáticos.

A África, que Dilma já avisou ser prioridade de sua política externa a ser reforçada em 2012, surge como um alvo preferencial para ações em acordo com outros países, e parceiros entre países desenvolvidos descobrem qualidade inusitadas no trabalho com o Brasil no continente.


"O Brasil é muito hábil em produzir estatísticas, inclusive para avaliar os programas sociais; esse é um dos motivos dos elogios ao Bolsa Família", exemplificou, para o Valor, Michael Anderson, diretor-geral do DFID, o departamento britânico para programas de assistência global, que tem buscado o Brasil para projetos na África. "Esses sistemas de medições rigorosas são um ativo real do Brasil", diz Anderson. "Podemos aprender com isso, e levar à África."

Melhorar a avaliação dos resultados na ajuda à África é também uma necessidade política para a Inglaterra, um dos raros países desenvolvidos prestes a cumprir o compromisso de dedicar 0,7% de seu orçamento para assistência às nações pobres (hoje dedica 0,56%, mais que o dobro da média dos outros países). A verba foi mantida mesmo em tempos de cortes de gastos, o que gera um ambiente interno de forte crítica à atuação do DFID, apesar da reconhecida qualidade e relativa transparência dos programas.

Anderson, que esteve no Brasil semana passada, em uma espécie de prévia da visita do ministro de Desenvolvimento Internacional, Andrew Mitchell, em 2012, pertence, claro, ao governo conservador britânico, mas parece um petista nos elogios. "O Brasil conseguiu resultados marcantes; é um dos raros países no mundo onde a desigualdade decresceu, uma conquista política e econômica muito impressionante", diz ele.

O britânico elogia também um exemplo capaz de viajar à África: o Brasil conseguiu uma forte combinação de apoio a grandes companhias agrícolas e à agricultura familiar. "É ilusão achar que a agricultura familiar é a saída para garantir segurança alimentar ao continente africano", acredita. E aí, e em outros aspectos econômicos do desenvolvimento, entra o - polpudo - dinheiro britânico.

O orçamento o DFID chega a 8,4 bilhões de libras (mais de US$ 13 bilhões), em campos tão distintos quanto apoio a modelos de negócios inovadores e projetos de infraestrutura. Com o Brasil, o DFID tem um programa modesto em associação com a Fundação Bill e Melinda Gates, de US$ 4,5 milhões para prover assistência agrícola técnica e científica (usando a Embrapa como provedor de tecnologia). Anderson garante: "Estamos prontos a dar mais fundos, se preciso".

Outro projeto, em discussão, envolve Reino Unido, Brasil, Noruega e França, com lançamento de US$ 4,3 bilhões em bônus a ser coberto por esses países, para captar recursos a serem usados na compra de vacinas, inclusive de laboratórios brasileiros, para programas de imunização em larga escala. Há também conversas com a Embrapa para projetos de manejo de florestas.

Esses programas de cooperação alavancam a estratégia brasileira de ter uma presença crescente nos outros países em desenvolvimento e em países pobres, especialmente na África, para onde se dirigem olhares cobiçosos de potências como a China.

A crise econômica e as novas regras de sanidade bancária foram "um golpe terrível" nos recursos disponíveis para financiamento ao comércio na África ocidental, que encolheram 80%, segundo avalia Anderson. O DFID canaliza, por meio do Banco Mundial, recursos para financiar comércio de alimentos, combustíveis e fertilizantes na região.

O interesse na experiência brasileira, da parte de fundos e financiadores como o DFID, apesar da crise, mostra que a prioridade para África tem razões concretas para ser mais que discurso no Palácio do Planalto. E atesta valer a pena superar o derrotismo (o economista Albert Hirschmann chamava de "fracassomania") do velho dito de que jabuticaba é a única coisa boa que só existe no Brasil.

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