segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mudança na Argentina sinaliza protecionismo

Fonte: Valor Econômico
Autor: César Felício

A presidente Cristina Kirchner assumiu neste sábado o seu segundo mandato na Argentina com uma sinalização de que tempos difíceis serão enfrentados pelos parceiros comerciais do país ao longo de 2012. Em seu discurso de posse, Cristina anunciou a transferência da área de Comércio Exterior da pasta de Relações Exteriores para a pasta de Economia. Horas depois, o ministro da Economia, Hernan Lorenzino, nomeou a economista Beatriz Paglieri como encarregada da área.

Beatriz Paglieri foi em 2007 a interventora no Indec, o instituto de estatísticas argentino, que passou a divulgar um índice de inflação sem correspondência com a variação de preços. Atualmente, o Indec informa uma inflação de 9,3% ao ano, quando a medição oficial em províncias no interior do país e a estimativa de consultorias de economia aponta para uma variação entre 18% e 30%.

Embora Beatriz tenha sido diretora de gestão comercial externa no governo De La Rúa e subsecretária de Relações Econômicas Internacionais no governo da Província de Buenos Aires, é mais conhecida como uma funcionária pública muito vinculada ao secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, famoso pela agressividade com que trata empresários e colegas de governo. Responsável por tentar conter a inflação, ao manipular o índice, Moreno conseguiu eliminar uma referência que poderia servir para reajustes.



Militante peronista, Moreno envolveu-se durante a campanha eleitoral em um conflito de rua com oposicionistas, em um ato na disputa pela prefeitura de uma cidade da periferia de Buenos Aires. Em 2010, atuou de forma decisiva no chamado "uno por uno", política informal pela qual importadores não conseguem autorização para trazer mercadorias caso não exportem na mesma quantidade, seja que produto for. Nas últimas semanas, ganhou protagonismo ao ligar para grandes movimentadores de divisas e exigir que suspendessem as compras de dólar por pelo menos dois meses.

Sem garantia de fontes externas de financiamento, a Argentina tenta preservar seu saldo comercial em um cenário de queda dos preços de seu principal produto de exportação, a soja, e menor demanda de seu principal cliente, o Brasil. Neste ano, o país deve obter cerca de US$ 10 bilhões de superávit, mas as importações devem crescer cerca de 30% em relação a 2010, para cerca de US$ 71 bilhões. Aproximadamente um terço deste total é originário do Brasil, e reduzir as compras externas é uma meta do governo. A relação bilateral é superavitária para o Brasil em cerca de US$ 6 bilhões ao ano. Em um recente evento empresarial, Cristina chegou a mencionar que o ideal seria não comprar no estrangeiro "nem um prego". Ao tomar posse anteontem, Lorenzino mencionou a preservação do superávit comercial como uma prioridade.

O setor calçadista deve ser o primeiro a receber a nova abordagem do governo argentino. Um acordo de cavalheiros entre os empresários dos dois países deve ser renovado de forma a que haja uma cota de 15 milhões de pares brasileiros importada anualmente, o que equivale a 13% do mercado argentino. Os empresários argentinos tentam negociar a renovação da cota, mas pressionando para que o Brasil passe a importar sapatos do país. Caberá a Beatriz Paglieri a aplicação de instrumentos como a imposição de licenças não automáticas e a aplicações de sanções como direito antidumping.

A migração da secretaria de Comércio Exterior não foi a única mudança anunciada pela presidente. Também foi criada no âmbito do Ministério da Economia uma subsecretaria de Competitividade e, no âmbito do Ministério da Indústria, uma área para planejamento estratégico. Eram duas demandas da União Industrial Argentina (UIA) e mostram o distanciamento do governo da área sindical.

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