A União Europeia (UE) destruiu na semana passada a ilusão de que a região do euro e o Reino Unido poderiam coexistir alegremente dentro da UE. Esse motivo pode ter tornado o encontro de cúpula histórico. A decisão de criar uma união fiscal fora dos tratados europeus, no entanto, não fará nada em absoluto para resolver a crise da região do euro.
Há diferentes noções de união fiscal - algumas mais integradas, algumas menos, algumas obcecadas com a disciplina fiscal, outras com os bônus conjuntos. Seja qual for sua preferência, no entanto, essa união não é algo recomendável de levar-se adiante fora dos tratados europeus. Os atuais tratados formam a base legal para toda a coordenação política da união monetária. Quando se tenta contorná-los, a situação fica muito confusa.
Mudar tratados é tarefa complicada e entendo porque não há grande apetite em promover essas alterações. Todos ainda lembram-se do tratado constitucional fracassado da década passada. O que é conhecido como Tratado de Lisboa levou quase dez anos desde sua origem até a ratificação. Um novo tratado exige o consentimento de todos os integrantes, uma convenção, uma conferência intergovernamental, um acordo final no Conselho Europeu e Parlamento Europeu e, então, a ratificação de cada país, em alguns por meio de referendo.
Uma união fiscal criada fora do espaço dos tratados europeus se depararia com várias limitações práticas e legais. A menos que se encontre algum truque, não pode ter acesso aos recursos e instituições da zona do euro. Também não pode emitir bônus da região.
A Alemanha entendeu perfeitamente bem que suas propostas precisam de uma mudança completa dos tratados. O envolvimento do Tribunal de Justiça da UE como executor das regras fiscais não pode ser alcançado de outra forma. Discordo com o conteúdo das propostas alemãs e da fixação apenas na disciplina fiscal. Concordo, no entanto, com a avaliação legal: se o que se deseja é uma união fiscal, nada além de uma mudança completa dos tratados seria suficiente. Se a UE tivesse aceitado a ideia, um consenso sobre os tratados poderia ter produzido uma união fiscal muito mais equilibrada que a desejada agora por Alemanha e França, em um tratado separado de tramitação rápida.
Agora que David Cameron bloqueou a opção de mudar os tratados europeus, o maquinário de Bruxelas trabalha com força total para encontrar uma forma legal de tornar possível um tratado separado entre os membros da região do euro. Uma das formas candidatas é o procedimento conhecido como "cooperação aprimorada". Introduzido nos anos 90 e posteriormente modificado com emendas, foi idealizado para dar a um grupo com pelo menos nove países-membros o direito de seguir em frente sozinho. Trata-se, no entanto, mais de um procedimento do tipo "tratado dentro de tratado". Foi invocado apenas para a patente única europeia e, apropriadamente, para a lei comum de divórcio. É de se perguntar, portanto, se seria possível usar a cooperação aprimorada como base legal para criar-se uma união fiscal. Será que poderia até ser usada como portal ao espaço externo, para que outro tratado que interaja com o atual? Considero isso muito improvável. Em primeiro lugar, o procedimento exige unanimidade. Portanto, se Cameron vetou uma revisão do tratado porque ele não quer uma união fiscal mais profunda que discrimine contra a City londrina, ele certamente tampouco aceitará uma união fiscal criada por uma cooperação aprimorada. Além disso, o procedimento não é orientado a alterar provisões atuais do tratado. Foi idealizado para que países-membros colaborem em áreas ainda não cobertas pelo tratado.
Outra possível base legal é o Artigo 136, sob o qual os integrantes da região do euro têm permissão para "fortalecer a coordenação e supervisão de sua disciplina orçamentária" e para tentar "determinar as diretrizes de política econômica para eles". Essa é a base legal para que os países-membros coordenem políticas tributárias, melhorem o funcionamento dos mercados de trabalho ou enviem um representante conjunto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O Artigo 136, no entanto, tampouco foi idealizado como um portal para o espaço externo dos tratados.
Uma união fiscal criada fora do espaço dos tratados europeus se depararia com várias limitações práticas e legais. A menos que se encontre algum truque, não pode ter acesso aos recursos e instituições da região do euro. Também não pode emitir bônus da região do euro. A única contraparte concebível para um bônus da região do euro é a própria UE.
Ainda mais importante, uma união fiscal criada por meio de um alçapão legal não ajudaria a resolver a crise. A região do euro enfrenta uma perda generalizada de confiança. Os investidores não acreditam mais em sua administração de crise, na solidariedade de seus cidadãos ou mesmo em sua capacidade de conduzir políticas econômicas adequadas. A UE não conseguirá recuperar a confiança por meio de artimanhas legais que enfrentarão diversos desafios nos tribunais.
Os líderes deveriam ter admitido na sexta-feira que o encontro de cúpula simplesmente fracassou ou talvez tê-lo estendido por mais alguns dias. As negociações poderiam ter resultado em algum compromisso. Com a simulação de outro tratado, isso não é mais possível. Lembrem-se do que todos diziam há uma semana? Para solucionar a crise, a região do euro precisa, no longo prazo, de uma união fiscal com a perspectiva de um bônus da região do euro e, no curto prazo, de apoio ilimitado ao mercado de bônus soberanos pelo Banco Central Europeu (BCE). O que temos agora é nenhuma mudança de tratado, nenhum bônus da região do euro e nenhum aumento no fundo de resgate ou do apoio do BCE.
As mudanças de políticas anunciadas pelo BCE na semana passada ajudarão os bancos diretamente e os bancos indiretamente. Mas a UE não conseguiu nenhum dos elementos que formariam um acordo abrangente. Na sexta-feira, os investidores reagiram de forma positiva ao que lhes foi vendido como um "compacto fiscal". Mas, uma vez que as implicações de um tratado separado sejam compreendidas, receio que a desilusão prevalecerá.
Na semana passada, os líderes europeus criaram um fato que desviou as atenções. Ficaremos falando sobre o Reino Unido por algum tempo. A crise, enquanto isso, segue adiante. Tradução de Sabino Ahumada)
Wolfgang Münchau é editor do FT onde escreve sobre União Europeia.
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