Um fato que merece destaque no manicômio tributário brasileiro em 2011 é, sem dúvida, o agravamento da chamada guerra fiscal dos portos, mecanismo arquitetado por uns espertos governadores que, por um punhado de ICMS extra no cofre, rasgam a Constituição, destroem empregos e receita pública e aviltam as relações federativas. Oferecem devolução de ICMS incidente sobre importações desembaraçadas por seus portos e enviam a conta dessa extravagância, via alíquota interestadual do imposto, ao Tesouro dos Estados processadores ou consumidores dessas mercadorias, que concorrem com vantagem tributária com a produção nacional.
O País assiste perplexo e envergonhado a um processo de substituição de importações às avessas; poder-se-ia dizer, "um processo de substituição por importações". Estas, subsidiadas ilegalmente, substituem a produção nacional, que, onerada por ICMS "cheio", perde competitividade. Esse mecanismo inconstitucional - o Supremo Tribunal Federal assim tem reiteradamente decidido - agrava os problemas que já ofendem a competitividade do setor produtivo do País, como a sobrevalorização do real, as deficiências de infraestrutura, a taxa de juros, os custos previdenciários, etc. Fere, sobretudo, um preceito básico que deve orientar um sistema tributário decente: o princípio da isonomia.
Essa pirataria fiscal é viabilizada pela tributação das operações interestaduais pelo ICMS: o Estado por onde a mercadoria é importada sem ICMS cobra 12% na fronteira interestadual, mas devolve no ato ao importador, na forma de crédito simbólico, 75% do valor cobrado (9% do valor da operação); pela lógica da não cumulatividade, o Estado destinatário é obrigado a devolver integralmente os 12% ao seu contribuinte e a mercadoria chega ao destinatário interestadual com 9% de subsídio. Assim, a importação da mercadoria, quando desviada artificialmente para esses "paraísos fiscais" de ICMS, impõe perda equivalente a 12% ao Estado consumidor, cuja contrapartida é um ganho de 3% do Estado "generoso" e de 9% do contribuinte atraído para essa "esperteza". De um lado, ganha o Estado que transgride a legislação tributária brasileira e o importador agraciado com o crédito simbólico de ICMS; de outro lado, perde receita o Tesouro do Estado consumidor da mercadoria cuja importação foi desviada para outro Estado e perde posto de trabalho o trabalhador brasileiro. O trabalhador chinês agradece.
Os defensores desse exótico modelo dizem que qualquer redução de carga tributária, mesmo quando transgride o texto constitucional, é salutar pois vem ao encontro dos anseios da sociedade. Isso é prestidigitação, pois essa renúncia fiscal não chega ao consumidor final das mercadorias: grande parte do rebate de ICMS oferecido ao importador, no âmbito da guerra dos portos, é neutralizada pelas diferenças de custos decorrentes de logística inapropriada e pela remuneração do risco, próprio de aventura ilegal. Não pode, por óbvio, ser considerada redução de carga tributária. É, na verdade, uma despesa morta do setor público, pois seus efeitos não chegam aos cidadãos na forma de serviços públicos. Recursos fiscais que poderiam ser aplicados na construção de escolas, hospitais, etc., são deslocados para financiar ineficiências econômicas, logísticas erradas e inconstitucionalidades. E para destruir empregos no Brasil.
Essa farra só acabará quando desaparecer - ou for drasticamente eliminada - a alíquota interestadual do ICMS, esse "dinheiroduto" que transfere receita do Estado que consome para o que importa tais mercadorias e que se constitui no funding de toda guerra fiscal. Tramita no Senado um Projeto de Resolução (PRS n.º 72/2011) que implementa essa mudança. Como a tão decantada reforma tributária não ocorreu em 2011 e provavelmente não ocorrerá em 2012, a aprovação desse projeto representaria um pequeno passo na direção da modernização do sistema de impostos do País. Mas os governadores "guerreiros" fazem tudo para evitar sua aprovação.
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