segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O curinga no jogo entre Brasil e Argentina

Fonte: Valor Econômico
Autor: Sergio Leo

MIP. O encontro entre as presidentes Dilma Rousseff, do Brasil, e Cristina Kirchner, da Argentina, no fim da semana, em Caracas, resultou nessa nova sigla, que terá uma coloração nova para as empresas habituadas a outras siglas já vistas nesses últimos 25 anos de aproximação entre os vizinhos. O Mecanismo de Integração Produtiva inventado pelas chefes de Estado traz ecos remotos do Pice, o Programa de Integração e Cooperação Econômica com que os então presidentes José Sarney e Raúl Alfonsin ensaiaram, em 1986, a anunciada integração das duas economias.

O Pice foi embrião do Mercosul, que seria impulsionado anos depois pelos sucessores Fernando Collor e Carlos Menem, e já previa a identificação de setores complementares nas duas economias e estímulo governamental para coordenação das cadeias produtivas dos dois países - ideia que não sobreviveu às políticas de mercado que vieram a seguir. O governo Lula ressuscitou o tema em 2003. Chegou a criar um "Programa de Substituição Competitiva de Importações" (outra sigla, o PSCI) para estimular a compra, por empresas brasileiras, de insumos e componentes nos países vizinhos, com quem o Brasil tem crônico superávit no comércio.


O PSCI pouco contribuiu para aumentar as compras brasileiras de bens argentinos, embora seu uso constasse do pacote de anúncios e 14 acordos que marcou a primeira viagem de Dilma como presidente ao exterior, para a Argentina, em fevereiro. As estratégias das montadoras de automóveis ainda são o maior motor do comércio bilateral, no qual o setor automotivo tem mantido uma participação próxima a 40%. Atrás das compras de autos, peças e partes vêm as compras de trigo, as quais não se pode atribuir a nenhum esforço competitivo de substituição de importações.

Dilma levou em sua bagagem para Caracas uma lista de queixas pela demora argentina em liberar produtos como calçados, máquinas agrícolas e alimentos nas aduanas, com retenções de produtos acima dos 60 dias permitidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Levou também a convicção de que o Brasil, em geral, vem ganhando no comércio bilateral, o qual já acumula um superávit, neste ano, de quase US$ 5,4 bilhões em favor dos exportadores brasileiros. O governo brasileiro não quer briga com a Argentina, mas a discricionariedade nas alfândegas torna esquisita qualquer conversa de "integração de cadeias produtivas".

Há semanas, acabou em frustração o que pareceu, a princípio, ser sinal de boa vontade do governo Kirchner, ao enviar, antes da posse, o novo embaixador argentino para Brasília, Luis Maria Kreckler, e o secretário de Indústria, Eduardo Bianchi. Duríssimas, as autoridades argentinas não cogitaram baixar barreiras a produtos do Brasil e levantaram sua própria listas de queixas, apontando os pés de barro brasileiros, que mantêm restrições burocráticas também para produtos como pêssegos e vinhos.
O tom de beligerância chegou a ameaçar o começo da reunião entre Dilma e Cristina, na sexta-feira, quando a presidente argentina deu a palavra à ministra do Comércio, Débora Giorgi, que se queixou das retenções de automóveis do país nas alfândegas brasileiras. Dilma contemporizou, deixando claro que quer soluções, não problemas. As duas presidentas, que terminaram o encontro aos sorrisos, delegaram mais uma vez aos técnicos a tarefa de resolver a encrenca, em curto prazo.

A poucos dia da posse como presidente reeleita, Cristina não revelou até hoje quem mandará em sua política econômica, e os principais atores nessa área disputam entre si para mostrar quem melhor serviria aos desígnios da chefe. O governo brasileiro se resignou a esperar até que o cenário se torne mais claro, para tentar remover os pontos irritantes mais aparentes. A nova aposta, e é isso que a sigla MIF abriga, é forçar o setor privado dos dois países a se reunir e buscar fórmulas de convivência.

Vai dar trabalho. A Argentina conseguiu superar a crise de 2001 e crescer impressionantes 7,6% anuais desde então com uma política de forte intervenção estatal e intentos de substituição de importações, e nem mesmo a ameaça inflacionária a estimula a mudar de práticas.

Dilma tem ainda como charme a promessa de apoio aos argentinos nas licitações e serviços para a Copa e a Olimpíada. É de se esperar, porém, que ela não tente intervir nessas áreas como prometeu em Caracas fazer em relação à Petrobras, de quem exigiu nova extensão do prazo para acolher como sócia a venezuelana PDVSA na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

O ritmo natural do mercado aproxima as duas economias (comemorou-se em Brasília a compra de parte da Usiminas pela argentina Techint), mas é lento para suavizar os atritos de políticas econômicas de perfis ainda bem distintos. Com o MIP, busca-se um caminho para a boa convivência até agora distante em setores como o de eletrodomésticos, têxteis, calçados, laticínios, vinhos, e outros. Não é nova essa carta posta na mesa pelas presidentes, e não parece se encaixar sem muito esforço no jogo dos dois países.

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