terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Crise econômica e coesão social

Fonte: Correio Braziliense
Autor: José Matias Pereira
Doutor em ciência política (UCM-Espanha) e pós-doutor em administração (FEA/USP), professor e pesquisador da Universidade de Brasília

Os espaços de manobras das políticas econômicas dos países desenvolvidos estão ficando cada vez menores diante do agravamento da crise econômica mundial, em especial na zona do euro e nos Estados Unidos. Num ambiente em que os cidadãos-eleitores, preocupados com a crise e o desemprego, estão substituindo de forma gradativa os seus governantes, fica evidente que as questões ideológicas ou políticas são secundárias nas motivações dessas mudanças. Os efeitos da crise também estão chegando com intensidades diferentes nas economias emergentes, que incluem o Brasil, sinalizando uma redução do crescimento econômico e o risco de aumento da inflação.

Diante desse cenário de mudanças, pode-se prever que, no bojo das políticas econômicas restritivas que estão sendo adotadas por esses países, haverá cortes significativos nos recursos orçamentários destinados aos programas sociais, notadamente para o sistema de saúde pública, desemprego e educação, o que irá enfraquecer os pilares do modelo de Estado de bem-estar social, representando assim uma ameaça potencial à coesão social.

O Estado de bem-estar (welfare state), Estado social ou Estado providência, em sentido estrito, pode ser definido como um modelo de Estado que tem por objetivo garantir condições mínimas de alimentação, saúde, habitação, educação, que devem ser assegurados a todos os cidadãos, não como benesse estatal, mas como direito político inerente ao ser-cidadão (Bobbio, 2004).

A origem do Estado de bem-estar social está afeta a três elementos essenciais: a existência de excedentes econômicos passíveis de serem realocados pelo Estado para atender às necessidades sociais; o pensamento keynesiano, que estruturou a sua base teórica; e a experiência de centralização governamental durante a Segunda Guerra Mundial, que fomentou o crescimento da capacidade administrativa do Estado.


Registre-se que as políticas sociais do Estado de bem-estar visam garantir um bom funcionamento do mercado e a defesa dos direitos dos indivíduos em suas necessidades básicas dentro do campo da saúde, educação, trabalho e alimentação. Busca-se, assim, a criação de igualdade de oportunidades; a partir da concepção de que cabe ao Estado intervir na economia para corrigir os prejuízos que possa haver dentro das desigualdades na estrutura sociopolítica.

Deve-se ressaltar que os processos, ideias e reformas do modelo do Estado de bem-estar também chegaram aos países latino-americanos, ainda que de forma tardia, exceto no Chile. Como nesses países os processos de reforma dos sistemas de proteção social ainda estão em construção, os efeitos dos cortes orçamentários serão profundos.

Nesse sentido, entendemos que os governos dos países da região latino-americana não devem minimizar os riscos daí decorrentes, visto que o impacto dessas medidas restritivas sobre sistemas frágeis e sobre sociedades bastante desiguais poderá gerar inquietações e protestos populares, colocando em risco a governança e a própria governabilidade dos países mais afetados pela crise econômica mundial.

Observa-se que os governos e as administrações públicas no mundo contemporâneo são vistos com descrença e desconfiança pela sociedade, em função dos seus baixos desempenhos. Por seu turno, a literatura revela que a gestão pública possui enormes dificuldades de se ajustar aos ambientes instáveis com a velocidade necessária para reduzir os efeitos das mudanças. Essa postura pouco flexível explica, em grande parcela, a baixa capacidade de resposta da administração pública às demandas da população em contextos de crise econômica.

A dificuldade dos governos de preservar o modelo atual de Estado de bem-estar, diante da intensidade da crise, está evidenciada. Assim, nesse cenário de incertezas, no qual não existem respostas plausíveis para a maioria perguntas, a boa governança pública assume importância cada vez maior no que se refere à busca de soluções para as demandas complexas da sociedade que estão sob a responsabilidade do Estado, notadamente da implementação de políticas públicas essenciais para a manutenção da coesão social.

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