terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A ciranda histórica da tragédia e da farsa

Fonte: Correio Braziliense
Autor: Lázaro Guimarães
Karl Marx inicia o 18 Brumário de Luiz Bonaparte lembrando Hegel, para quem os grandes fatos históricos e seus personagens se repetem. E acrescenta: "Primeiro como tragédia, depois como farsa". Mais adiante, afirma que a revolução do século 19 deveria deixar os mortos sepultarem seus mortos, para seguir em frente, pois, na anterior, de 1789-1793, a frase superava a substância, e na luta operária o conteúdo deveria superar a forma.

O ano de 2011 se encerra em meio a uma farsa político-financeira que repete as consequências da catástrofe de 11 de setembro de 2001. Dez anos separam a derrubada das torres gêmeas de Wall Street pelos terroristas da Al Qaeda do ultimato dado pela chanceler Ângela Merkel e pelo presidente Nicolas Sarkozy aos seus pares na União Europeia, exigindo absoluta austeridade econômica para preservar os interesses dos grandes conglomerados financeiros. Os efeitos da tragédia passada e do discurso atual são idênticos: falência em cascata, desemprego, recessão, expansão da pobreza e concentração da riqueza.

Além da elite dos operadores, poucos sabem o que significa dívida soberana, subprime, práticas extraorçamentárias, obrigações de Estado, notações, talvez nem mesmo os banqueiros que contratam os executivos incumbidos de girar a ciranda e promover a sua aceitação pelo grande público mediante encenações midiáticas globais. Tudo gira em torno de um mecanismo que combina a linguagem hermética com a explicação simplória, a primeira destinada a perpetuar na sombra os mecanismos de exploração e a segunda com a finalidade de enganar o público.

O final deste ano marca também o decênio de integração da China à Organização Mundial do Comércio e sua ascensão ao lugar de segunda potência econômica e maior detentora de títulos da dívida pública da primeira potência, os Estados Unidos da América. Capitalismo puro e capitalismo de Estado deram-se as mãos para dominar o mundo, enquanto a Europa definha junto dos anseios do regime de bem-estar social.


Nem mesmo as forças da natureza parecem capazes de levar a humanidade à reflexão sobre os riscos da onipotência dos interesses político-financeiros. O professor Charles Perrow, da Universidade de Yale, demonstra no livro The Next Catastrophe (Princeton, 2011) que os acidentes nucleares são inevitáveis, e que é preciso suspender a construção de sistemas industriais complexos de potencial catastrófico. Essa também a conclusão do professor Hiroaki Koide, da Universidade de Kyoto, no Japão, em entrevista ao jornal Le Monde, na qual mostra como os perigos das centrais nucleares não se restringem ao seu país, afetado por terremotos e tsunamis, mas a todo lugar onde se instalem. Os riscos, explica, são subestimados e as informações dissimuladas pelos governos dominados pelos grandes investidores.

Koide revela ainda um aspecto cruel das usinas nucleares: "A produção dessa energia repousa sobre o sacrifício de certas categorias sociais. Constroem-se centrais longe das cidades que mais consomem eletricidade e perto das regiões afastadas nas quais as populações não sabem se defender. É necessário prevenir os riscos máximos da irradiação não apenas aos empregados, a maioria sindicalizados, mas aqueles das empresas subcontratantes: 86% das vítimas da irradiação por trabalhar perto dos reatores são os ciganos do nuclear, ou seja, os trabalhadores temporários".

Afirma ainda o professor japonês que a descontaminação de Fukushima gerou uma nova fonte de lucro para as empresas de construção, mas ninguém pensou ainda para onde será transportada a terra contaminada. Tomara que não venha em contêineres para o Brasil, como ocorreu com o lixo hospitalar norte-americano desembarcado em Suape (PE) e o lixo napolitano que foi parar nos portos de Santos e Paranaguá. É possível que a tragédia sobrevenha à farsa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário