quarta-feira, 14 de março de 2012

'Brasil tem novo paradigma: crescer sem a indústria'

Fonte: Valor Econômico
Autor:  Joe Leahy

Quem quer que tenha lido os jornais brasileiros na segunda-feira merece perdão por ter experimentado uma sensação de "déjà vu". Mais um vez o governo aumentou sua temida IOF, o imposto sobre as transações cambiais, desta vez para empréstimos internacionais contraídos por empresas brasileiras e com vencimento em até cinco anos.

O IOF e outras medidas do governo para impedir a valorização do real em comparação ao dólar, são bastante complexos. Mas a intenção é simples: proteger a indústria brasileira, uma vez que o real forte encoraja uma enxurrada de importações para o país.

Ou, nas palavras da presidente Dilma Rousseff, a política monetária frouxa dos Estados Unidos e da Europa criou um "tsunami" de dinheiro barato cuja principal vítima é o setor industrial brasileiro. É uma ameaça tão grave, aos olhos do governo, que o Brasil corre o risco de ser lançado de volta à idade das trevas, antes da industrialização que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, quando sua economia era pouco mais que uma mina e uma fazenda gigantes.

Certamente o Brasil está sofrendo o que está se transformando em uma recessão prolongada que atingiu o coração da indústria pesada. A produção industrial registra uma queda de quase 6% em relação ao pico alcançado em março do ano passado.

Mas será que isso significa o fim da história de crescimento econômico do Brasil? Não. Na verdade, um novo paradigma está surgindo no Brasil - crescer sem o setor industrial.

Qualquer um que visitar o país verá poucos sinais de uma recessão industrial. Restaurantes, shopping centers e bares estão cheios. Os preços continuam muito altos e regularmente os brasileiros aparecem em pesquisas como um dos povos "mais felizes" do mundo. As taxas de desemprego estão em patamares recordes de baixa.

Enquanto os preços das commodities permanecerem altos, o Brasil poderá pagar pelo boom do consumo doméstico, que está sendo conduzido por milhões de tomadores de empréstimos de sua nova classe média. O problema para as empresas do setor industrial é que essas pessoas estão consumindo mais e mais produtos importados, daí o crescimento sem uma indústria dinâmica.

Além da retórica da presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda Guido Mantega, que cunhou o termo "guerra cambial" para a batalha do país contra o dólar e o euro fracos, estão tendências estruturais de longo prazo que exigirão mais do Brasil do que apenas manipular o câmbio para garantir a sobrevivência de sua indústria no longo prazo.


A economia da China, o maior parceiro comercial do Brasil, pode estar diminuindo o ritmo, mas ainda se espera um crescimento relativamente elevado a partir de uma base grande. Ela continuará tragando as exportações brasileiras de soja, minério de ferro e outras commodities pelos próximos anos, dando suporte ao câmbio do país. Nas próximas décadas, o Brasil também vai aumentar a produção de petróleo com suas enormes descobertas offshore, o que transformará o país em um grande produtor e exportador de petróleo, fortalecendo ainda mais o real.

O outro desafio no longo prazo é como melhorar a competitividade da indústria brasileira. A valorização do real tornou muitos setores praticamente redundantes diante das importações baratas de países como a China.

O Brasil não é o primeiro país a enfrentar esses desafios. Outras nações ricas em commodities, como a Austrália, já tiveram que abandonar setores não competitivos e mudar para economias mais baseadas nos serviços, recapacitando trabalhadores redundantes ao longo do caminho.

Mas para o Brasil, essa transição é potencialmente muito mais dolorosa. Enquanto país em desenvolvimento e economia continental, a sexta maior do mundo, o Brasil precisa que os setores competitivos forneçam trabalho para milhões e trabalhadores pouco capacitados ou sem capacitação. O país também carece dos recursos disponíveis para os países mais ricos para garantir uma realocação de mão de obra para setores mais competitivos de uma maneira que não seja traumática.

A busca dessa agenda é politicamente difícil, e isso está levando o governo a optar pelo protecionismo, como o do setor automotivo, onde ele está tentando aumentar os impostos sobre as importações e ameaça erguer barreiras contra parceiros comerciais regionais como o México.

Mas, por mais difícil que seja essa transformação, o Brasil terá de fazê-la. No final das contas, ele terá de enfrentar seus velhos demônios - um setor público inchado e improdutivo, níveis baixos de investimentos e poupança e sistemas de ensino fracos. A retórica em Brasília não deveria estar tão centrada na guerra cambial e sim na guerra de produtividade. Será apenas através da melhoria de eficiência que o Brasil concretizará seu sonho de ser uma potência industrial.

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