Em meio à crise mundial, País passou a ser líder na adoção de medidas protecionistas
De campeão do liberalismo ao posto de país mais fechado do G-20. Em quatro anos de crise internacional, o Brasil revolucionou sua política comercial, abandonou o discurso de defesa da abertura de mercados, suspendeu acordos e passou a ser um dos líderes na aplicação de tarifas e medidas protecionistas.
De 2008 a junho de 2011, o Brasil foi o segundo país que mais iniciou ações antidumping contra importações, com um total de 80, só sendo superado pela Índia, com 137. Naquele período, o Brasil iniciou mais ações antidumping do que Estados Unidos (48), União Europeia (57) e até a Argentina (65), conhecida por sua postura protecionista.
Além disso, dados obtidos pelo Estado apontam que, desde o início da crise em 2008, o Brasil é o quinto país a adotar o maior número de barreiras no mundo. Em termos de impacto, porém, essas medidas colocam o Brasil na liderança entre os países mais protecionista hoje do G-20.
No total, o Brasil já adotou ou anunciou pelo menos 85 medidas claramente protecionistas desde o início da crise. Em média, uma nova barreira é criada a cada 15 dias no país desde 2008. Só Rússia, China, Índia e Estados Unidos adotaram em números absolutos um volume maior de medidas protecionistas. Mas a realidade é que o impacto das novas barreiras brasileiras tem ido além de qualquer outro país.
Segundo um levantamento do Centro para a Pesquisa de Políticas Econômicas, financiado pelo Banco Mundial, as ações brasileiras já atingiram as exportações de 131 países. O grande foco é a China, com mais de um quarto de todas as medidas, 25, seguida pelas barreiras contra produtos americanos (22), alemães (14), italianos (11) e japoneses (10).
No total, as medidas brasileiras já afetam 254 produtos e a constatação de especialistas é de que as barreiras são as mais básicas, como a elevação de tarifas, e sem qualquer elaboração para dar maior competitividade às indústrias nacionais que estejam sofrendo. Tais medidas, segundo funcionários da OMC, são típicas dos países mais pobres do mundo, que não têm outro instrumento senão a criação de muros contra o comércio.
A proliferação de medidas é uma reviravolta em comparação à situação do País nos primeiros meses após o colapso do Lehman Brothers, em setembro de 2008. Naquele momento, o ex-presidente Lula apelava para que países não recorressem a barreiras e chegou a ser considerado publicamente pelo diretor da OMC, Pascal Lamy, como o "campeão na resistência contra o protecionismo".
"Logo depois da crise, a reação brasileira não foi protecionista, e o diagnóstico era mais ligado ao acesso a crédito", analisa a economista Sandra Rios, do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes, "think tank" de comércio internacional no Rio).
Mas Sandra acrescenta que, a partir de 2010, e principalmente após o lançamento pelo governo do "pacote de competitividade" naquele ano, começou a ênfase em medidas protecionistas, incluindo uma série de iniciativas para incentivar o conteúdo nacional nas cadeias produtivas.
Em 2010, o Brasil iniciou 37 ações antidumping, novamente só perdendo para a Índia, com 41. A União Europeia, a terceira colocada, deu entrada a apenas 15 ações.
Em 2011, até junho, houve uma aparente desaceleração, com a abertura de 11 ações antidumping pelo Brasil. Mas, no final do ano passado, a escalada protecionista ganhou força, e o Brasil recusou-se a fazer parte de uma iniciativa que estabelecia que países congelariam suas tarifas e não aumentariam suas barreiras.
Em setembro, foi anunciado o aumento de 30 pontos porcentuais no IPI de veículos importados de países fora do Mercosul ou fabricados no bloco, mas com índice insuficiente de nacionalização de componentes e etapas de produção. "Essa medida claramente fere as regras da OMC, porque atrela um subsídio a conteúdo nacional, o que é proibido", diz Sandra, acrescentando que já houve pedido de consultas de alguns países orientais.
No final de 2011, o Mercosul decidiu que cada país poderia criar uma lista de 100 novos produtos que poderiam ter suas tarifas elevadas, mesmo não estando na lista de exceções à tarifa externa comum (TEC).
A gota d"água, para Sandra, é a tentativa de o Brasil renegociar o acordo automotivo com o México, depois de ter usufruído de superávits comerciais com o parceiro por quatro ou cinco anos. "Quando o negócio começa a virar, dizemos que não estamos mais de acordo e queremos impor uma cota de importação que é a metade do valor exportado por eles no ano passado - não tem o menor cabimento, como é que o Brasil pode querer ter credibilidade desse jeito?", critica.
Dessa forma, não é surpresa que um levantamento realizado pela Câmara Internacional de Comércio tenha indicado que o Brasil chegou ao final de 2011 como a economia mais fechada do G-20, apesar das promessas realizadas em cada uma das cúpulas de que iria manter aberto seu mercado. O ranking avalia a abertura dos mercados a produtos importados, nível tarifário, regras internas, exigências de conteúdo local, as políticas comerciais, infraestrutura ao comércio e a abertura do país a investimentos estrangeiros.
Entre as 75 maiores economias do mundo, só sete são mais protecionistas que o Brasil. O País tem praticamente a mesma abertura de mercado que a Venezuela, do presidente Hugo Chávez, e está próximo dos níveis do Paquistão, Argélia e Sudão.
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