quinta-feira, 29 de março de 2012

Entre o velho protecionismo e a valorização cambial

Fonte: Valor Econômico
Algo parece estar fora da lógica nos objetivos que o Brasil está perseguindo na Organização Mundial do Comércio (OMC) e em suas reuniões com os Brics, grupo que reúne os maiores países emergentes. Apesar do ranger de dentes dos países desenvolvidos, a diplomacia brasileira arrancou uma reunião da OMC para discutir desalinhamentos cambiais, tendo em vista seu objetivo: em português claro, obter uma licença temporária para levantar barreiras protecionistas em caso de fortes valorizações de sua moeda, como ocorre hoje. Ao chamar a atenção para uma suposta destruição de sua indústria e perda geral de competitividade, o Brasil deveria apontar principalmente na direção da China, sua aliada nos Brics, com a qual a presidente Dilma Rousseff vai tratar hoje em Nova Déli, entre outras coisas, da criação de um banco de desenvolvimento comum. Discutir valorização cambial no grupo faria sentido e encontraria pelo menos na África do Sul, com seu rand forte, um interlocutor interessado, e na China, um contrariado.

Quando a crise financeira eclodiu em 2008, uma das ameaças mais temidas foi a de que ela trouxesse consigo o protecionismo generalizado. A crise ainda não acabou, as perspectivas pessimistas sobre o comércio mundial não se concretizaram, e o que o Brasil tenta agora é obter sinal verde para fechar por um tempo sua economia, abrindo caminhos para que outros países em situação semelhante façam o mesmo. A OMC daria então aval a esse protecionismo, supondo que ela fosse capaz de estabelecer qual deveria ser a taxa de câmbio de equilíbrio de seus membros, e o período pelo qual uma taxa desalinhada poderia voltar ao seu nível "normal", que é o que o Brasil parece supor ao pedir proteção temporária. A proteção, se concedida ao Brasil, provavelmente elevaria seus substanciais saldos comerciais, valorizando mais sua moeda, mas esse é apenas um dos problemas da proposta.

Estudos apresentados pelo Brasil indicam que toda a estrutura tarifária tornou-se inútil porque a valorização cambial a colocou na posição de "proteção negativa", ou incentivo à importação. A diplomacia brasileira fala que seriam necessários vários múltiplos de 35%, a tarifa máxima acordada, para que o país tivesse agora o mesmo nível de proteção que tinha em 2001. Fica claro, se essa é a magnitude do problema, que muitas coisas mais ocorreram nesse período que não apenas uma sobrevalorização do real.

Ao encerrar seu discurso inaugural da reunião na OMC, Pascal Lamy, o diretor-geral, insinuou exatamente isso, em mensagem endereçada ao Brasil. Primeiro, disse que a política e as regras da OMC não lhe permitiam resolver "questões macroeconômicas que estão no coração da performance das moedas ao redor do mundo". Depois, foi específico: "A OMC não consertará consumo ou padrões de poupança domésticos, não resolverá problemas de competitividade das indústrias domésticas, não determinará taxa de juros internas nem conseguirá obter a supervisão prudencial ideal do sistema financeiro".


Parece cada vez mais claro que a tendência de valorização do real vai durar um bom tempo. Há demanda futura garantida para as commodities que o país exporta e enormes possibilidades de novos negócios. O investimento externo direto mudou de patamar. Até o ano passado eles cobriam praticamente o déficit em conta corrente, o que limita o efeito, para explicação da valorização da moeda, de tsunamis monetários e capitais especulativos. A bonança encontrou o país com uma pavorosa estrutura tributária, uma carga de impostos maior do que a de competidores emergentes do mesmo porte, gargalos enormes na infraestrutura e, ainda por cima, uma taxa de juros astronômica - a conhecida conspiração de custos contra as empresas nacionais.

A valorização agravou problemas crônicos, em detrimento da indústria. A licença para se proteger que o Brasil pede já existe de alguma forma e ela deveria se voltar prioritariamente contra a China, cuja mágica de formação dos preços dos bens exportados é poderosa. Toda a estrutura de defesa comercial deveria ser aperfeiçoada e agilizada para barrar a concorrência desleal de prosperar. Os instrumentos disponíveis para isso não são usados intensamente.

Resta, porém, a competitividade. Um dos efeitos do protecionismo, e da desvalorização da moeda que se quer atingir com ele, é a queda dos salários internos e uma elevação, pelo menos inicial, do nível de preços. No passado, foi um desastre.

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