Um dos mais altos representantes da China no setor financeiro defendeu ontem um cessar-fogo global na área cambial e a busca de cooperação após o confronto com os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre quem é o culpado pelas tensões atuais. "Temos de alcançar pelo menos um acordo temporário na comunidade internacional sobre como tratar da questão cambial", afirmou, em entrevista, Li Ruogu, o presidente do Export-Import Bank of China, depois de participar do primeiro grande seminário na OMC dedicado à relação entre comércio e taxa de câmbio, vista como central hoje.
Ao mesmo tempo, Ruogu acusou os EUA de negligenciar suas responsabilidades na gestão do dólar como moeda de reserva mundial, que Pequim aponta como o real causador de desequilíbrios na economia internacional. Foi a primeira vez que um representante chinês, que repete rigorosamente o roteiro traçado por Pequim, mencionou a possibilidade de acordo internacional na área cambial, num cenário de fricções sobre desvalorização competitiva de moedas e barreiras comerciais.
Já na sessão inicial do debate que a OMC teve de organizar, por iniciativa do Brasil, um ponto forte foi a fricção entre Pequim e Washington, com troca recíproca de acusação pelos problemas atuais. O subsecretário assistente do Tesouro dos EUA, Mark Sobel, pediu a palavra e começou a criticar a política cambial chinesa. Para Sobel, as tensões são resultado de intervenção direta de governos para controlar a taxa de câmbio, mais do que de volatilidade cambial induzida pelos mercados, conforme relataram alguns participantes do encontro a portas fechadas.
Ele perguntou ao representante brasileiro, o empresário Josué Gomes da Silva, de onde vinha a maior concorrência externa para os produtos brasileiros, procurando apontar os chineses como principais culpados. Ele respondeu que as importações vinham majoritariamente da Ásia, mas também dos EUA em razão do real valorizado e do dólar fraco.
Em seguida foi a vez de Li Ruogu jogar a culpa nos americanos. Ele acusou os EUA de política "errática", citando que Washington pedira no passado para Pequim não valorizar sua moeda. Foi uma forma de mencionar os benefícios das milhares de empresas americanas que exportam da China para o mundo todo.
Para a China, a principal fonte dos problemas cambiais vem das políticas fiscal e monetária frouxas dos EUA, com injeção maciça de liquidez nos mercados, provocando enormes fluxos de capital para outros países e forçando a valorização das moedas locais.
Ele argumentou que as estatísticas que apontam a China como o grande exportador mundial são distorcidas por causa das cadeias globais de produção. Ele exemplificou que a exportação de iPhones e iPads é atribuída à China, mas só uma pequena porcentagem do valor final é embolsada pelo país.
Na saída, Li Ruogu reclamou que o dólar americano é usado como moeda de reserva, mas que os EUA não assumem mais a responsabilidade pela questão. "Esse é o problema que temos de discutir. Os EUA têm o direito de dizer que não querem mais assumir esse papel, mas devemos perguntar a alguém ou a algum sistema para assumir esse papel", afirmou. Indagado se o yuan chinês poderia substituir a moeda americana, ele retrucou sorrindo muito: "A China não pode fazer isso, é ainda um país fraco, em desenvolvimento."
Pequim e Washington concordaram pelo menos num ponto: não é a OMC que deve tratar de câmbio para aliviar questões no comércio internacional. Os dois países, inclusive, exigiram da OMC que o seminário fosse fechado. Foi proibido fotografar os participantes, revelar nomes dos palestrantes e também não haverá sequer minuta dos debates.
Os EUA divulgaram comunicado dizendo que defenderam na OMC taxas de câmbio ajustadas em linha com os fundamentos, que resultariam em menos pressão por protecionismo. De seu lado, a China reiterou que os países devem discutir as raízes, e não os efeitos, dos problemas no sistema monetário internacional. Para o Brasil, os efeitos afetam duramente seu parque industrial e precisam de remédio pela OMC.
O embaixador brasileiro Roberto Azevedo reuniu a imprensa internacional no começo da noite, para relatar que nenhum país negou a existência de desalinhamento cambial. Mas tampouco há consenso sobre o tema na OMC.
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