quarta-feira, 28 de março de 2012

Barreira ao vinho estrangeiro pode tirar bebida brasileira do cardápio


Fonte: O Globo
Autor: Hugo Naidin
Investigação pode impor cotas ao importado ou aumentar tarifa de entrada

O importador português de vinhos Bernardo Gonçalves da Costa aponta o lacre de uma garrafa de Quinta Seara D"Ordens exposta em seu estande na Brasil Wine Fair - feira no Riocentro que reuniu produtores nacionais e internacionais da bebida, semana passada - e pergunta: "O que consegues ver aqui?". O que ele está "a indicar" é o que não consta na garrafa: o selo fiscal. A ausência do item foi uma vitória para todas as importadoras de vinho filiadas à Associação Brasileira de Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas (ABBA). Em outubro, a entidade conseguiu liminar contra a determinação do Ministério do Desenvolvimento que obrigava a aplicação do selo em todos os vinhos comercializados no país. Isso é parte da polêmica que opõe entidades de classe da bebida no Brasil e o resto do mundo.

O enredo inclui acusações de tentativa de eliminar pequenas vinícolas nacionais, recuos estratégicos de grandes empresas, a grita de chefs de cozinha e a discussão sobre se a taxação de vinhos importados é eficaz, visto que argentinos e uruguaios, nossos grandes concorrentes, estão fora da lista. Arrastando-se entre o Congresso e tribunais há um ano, a novela está prestes a ganhar capítulo decisivo: no último dia 15, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) abriu investigação que pode impor cotas ao produto estrangeiro ou aumentar a tarifa de importação.

Segundo Ciro Lilla, dono da importadora Mistral, 30% dos vinhos estão livres do selo graças a mandados de segurança. As liminares, porém, chegaram tarde para cerca de cem micro e pequenas vinícolas, a maioria no Rio Grande do Sul, que fecharam as portas desde que a norma entrou em vigor, em 10 de janeiro de 2011. Além das dificuldades de aplicação do selo, a empresa não pode ter pendência legal e a produção precisa de parâmetros estranhos à natureza do vinho.

- Do ponto de vista fiscal, o vinho é tratado como bebida alcoólica, mas, do sanitário, é um alimento. Essa política relega a cultura da viticultura familiar em nome do agronegócio - diz.

Cerca de 90% da produção são das grandes vinícolas

Das vinícolas brasileiras, 95% são familiares (500 mil litros ao ano), mas 90% da produção estão com 15 ou 20 grandes, explica Luiz Henrique Zanini, da Vallontano, a principal entre as menores do país. Para ele, é um movimento que visa ao oligopólio e acaba com a diversidade.

- Os produtores artesanais tendem a produzir um vinho com mais qualidade. Por isso, passaram a representar uma ameaça aos vinhos industriais - acusa Pedro Hermeto, dono do restaurante Aprazível, no Rio.

Além dos selos, o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), a Federação das Cooperativas do Vinho (Fecovinho) e o Sindicato da Indústria do Vinho do Estado do Rio Grande do Sul (Sindivinho) lutam para que o vinho seja incluído na lista de exceções da Tarifa Externa Comum, aplicada pelo Mercosul a terceiros - o que permitira elevar o imposto de 27% para até 55% - e para que sejam estabelecidas cotas de importação.

- São demandas totalmente legais, previstas pela Organização Mundial do Comércio quando os países se sentem prejudicados. Dos 91,9 milhões de litros de vinhos finos comercializados em 2011, 56% vieram de fora do Mercosul e 21,3% eram nacionais - defende Carlos Paviani, diretor executivo da Ibravin.

Chefs, importadoras e sommeliers classificam o eventual aumento de impostos um contrassenso e "um tiro no pé". Segundo os contrários à proposta, impostos mais pesados, em vez de ampliar o consumo das bebidas brasileiras, desestimularão a venda no Brasil e toda uma cultura de sofisticação, com profissionais especializados, que surgiu nas últimas duas décadas. E os grandes beneficiados com a medida poderão ser os produtores argentinos, não os brasileiros.

O chef Felipe Bronze, do restaurante Oro, diz-se perplexo com a discussão. Ele ameaça tirar da carta da casa carioca qualquer vinho brasileiro.

A chef Roberta Sudbrack é uma das mais ativas contra as medidas e tem postado em sua conta no Twitter o link de um abaixo-assinado. Ela retirou da carta de seu restaurante vinhos das vinícolas que apoiam a salvaguarda. Mas frisa que a medida é momentânea, "até que o bom senso impere", e que não é um boicote ao vinho brasileiro.

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