segunda-feira, 26 de março de 2012

China acelera uso de barreiras técnicas como arma comercial

Fonte: Valor Econômico
Autora: Marta Watanabe

Desde 2001, quando ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China notificou ao órgão de regulação do comércio internacional um total de 851 regulamentos e normas técnicas que passaram a ser exigidos dos produtos que desembarcam em território chinês. Esse volume ultrapassa com folga as 564 notificações de mesma natureza que o Brasil fez num período muito mais longo, desde 1995, quando a OMC iniciou suas atividades e passou a receber as notificações com base no acordo de barreiras técnicas que vigora até hoje.

O número de notificações dos Estados Unidos e da União Europeia também ultrapassa com folga o do Brasil. Desde 1995 os americanos apresentaram à OMC total de 866 normas e os europeus, 601. Os dados são do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Em agosto do ano passado, quando lançou o Plano Brasil Maior, a política de desenvolvimento industrial, o governo federal divulgou entre as medidas de defesa comercial a ampliação e reforço nas barreiras técnicas.

"O Brasil tem muita qualidade na emissão dessas normas, mas precisamos ter uma quantidade maior", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB). Esses regulamentos e normas, explica Castro, versam sobre requisitos necessários aos bens e serviços importados e também contêm exigências relacionadas aos seus processos de produção. As normas podem fazer exigências de naturezas diversas, desde a área de proteção ao consumidor, até as de segurança, saúde e de ambiente. Quando aplica esse tipo de norma, o país estende ao produto importado os padrões técnicos e de qualidade aplicados à indústria doméstica. Na prática, porém, essas normas funcionam e são usadas estrategicamente como barreiras técnicas à importação, diz Castro.

Os dados do Inmetro mostram um rápido crescimento das notificações da China. Integrante da OMC desde 2001, as notificações do país asiático se iniciaram em 2003 com 28 notificações. Em 2005, porém, a China já havia elevado o volume para 112 notificações. De 2007 a 2012 os chineses notificaram 624 novas normas, quase o triplo das 227 barreiras técnicas registradas por eles na OMC nos cinco anos anteriores. Na sequência desses dois quinquênios, os americanos duplicaram as novas notificações, de 214 para 437 registros. A União Europeia aumentou as normas notificadas de 120 para 278. As notificações brasileiras também cresceram no mesmo período, mas em nível bem menor, de 201 para 219 registros.


Para Rogerio Corrêa, chefe da divisão de superação de barreiras técnicas do Inmetro, a tendência mundial de aumento das notificações ao longo dos últimos anos aconteceu em razão do crescimento do comércio internacional e também pelo uso da barreira técnica como mecanismo de proteção.

O maior alvo de novas normas técnicas da China nos últimos três anos foi o segmento de máquinas e materiais elétricos, além de aparelhos de som e TVs. Esses produtos representaram um terço das notificações totais dos chineses nos últimos três anos e também foram os que tiveram maior registro de novas normas técnicas pelos americanos, no mesmo período. No Brasil e na União Europeia, o maior volume de notificações de 2008 a 2011 foi direcionado aos produtos químicos. Além dos eletrônicos, a regulação de alimentos e bebidas alcoólicas também estão entre os principais alvos de normas registradas pelo Brasil e pelos países da zona do euro.

Castro, da AEB, acredita que a evolução das notificações da China é mais um fator que revela como o país se preparou para a exportação sem perder de vista os mecanismos disponíveis para a proteção da produção doméstica. Eduardo Gadret, do Inmetro, acredita que o aumento rápido dos registros de novas normas pela China reflete o desenvolvimento econômico do país asiático. Para ele é difícil avaliar se a quantidade de notificações também possui viés protecionista. Na prática, porém, diz Gadret, o efeito é aumentar a dificuldade para a exportação aos chineses.

Gadret lembra que uma das iniciativas do governo federal para reforçar a atuação do país nas barreiras técnicas foi o reforço de cem novos servidores para o Inmetro. Segundo Gadret, ele espera para este ano aumento de notificações e isso não deve acontecer somente em razão de crescimento econômico. "As barreiras técnicas são uma nova arma no comércio internacional. Nosso objetivo não é criar dificuldade para a importação, mas elevar a qualidade do que chega do exterior e criar concorrência mais justa para o produto doméstico." Segundo ele, o Inmetro também deve ser mais atuante no questionamento de barreiras aplicadas pelos demais países.

Carol Monteiro de Carvalho, advogada do Bichara, Barata & Costa Advogados, explica que as novas normas técnicas, quando passam a ser aplicadas, precisam ser notificadas à OMC pelos países membros. Em alguns casos, as normas podem gerar contenciosos. De acordo com relatório do Comitê de Barreiras Técnicas da OMC, houve 303 contenciosos de janeiro de 1995 a março de 2011. O que mais gerou essas discussões foram pedidos de esclarecimentos sobre as medidas, além de questionamentos sobre a necessidade da barreira técnica e sobre a transparência na aplicação das exigências. As regiões que mais tiveram medidas questionadas foram União Europeia, China e Estados Unidos.

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