Erradicar a fome é um desafio em todos os cantos do planeta. E a América Latina e Caribe é a região em desenvolvimento em melhor condições de fazê-lo, superando o paradoxo de ser uma das maiores produtoras de alimentos do mundo e conviver com mais de 50 milhões de subnutridos.
Este será um dos temas em discussão nos próximos dias em Buenos Aires, durante a 32ª Conferência Regional da FAO para a América Latina e o Caribe, reunião ministerial que ajuda a definir as ações da organização em nível mundial e definir suas prioridades de trabalho na região.
A conferência aproxima a FAO dos países da região e garante que o trabalho da organização atenda às suas necessidades. É um exercício que se repete em diferentes regiões do mundo. Em meados de março, foi realizada no Vietnã a Conferência Regional para a Ásia e o Pacífico. Nessa reunião, que contou com a participação de 39 países, ficou clara a necessidade de estratégias regionais de arroz e aquicultura e de apoiar as pequenas ilhas do Pacífico na criação e fortalecimento dos circuitos locais de produção e consumo vinculados ao turismo.
O potencial da cooperação Sul-Sul para enfrentar os desafios, somada à vontade dos países em compartilhar seus conhecimentos, foi outra notável conclusão da conferência asiática e que tem grande potencial também na América Latina e Caribe.
Brasil e Argentina, entre outros países, possuem conhecimentos na área de agricultura tropical que pode ajudar o desenvolvimento de outros países da região e do mundo. No caso brasileiro, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) - pelo domínio tecnológico - e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) - por ser a cara da nossa cooperação externa - são atores fundamentais e precisam ter estrutura, institucionalidade e recursos adequados à contribuição que o Brasil pode e quer dar a nível mundial.
Da conferência em Buenos Aires, espera-se sair com prioridades claras para o trabalho da FAO na região e reafirmar o nosso compromisso conjunto para a erradicação da fome.
Isso não só é compatível com o desenvolvimento econômico, a gestão sustentável dos recursos naturais e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, mas também é uma contribuição para atingir esses objetivos.
Há uma grande convergência entre as agendas de mudanças climáticas e segurança alimentar: ambas exigem mudanças significativas no sentido de padrões mais sustentáveis de produção e consumo. Há poucos meses da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio +20), temos a oportunidade e a necessidade de explorar essa convergência, que oferece a possibilidade de um novo caminho de desenvolvimento mais sustentável, inclusivo e que contribua na redução da desigualdade na América Latina e no Caribe.
Essa desigualdade se deve principalmente à concentração de renda e dos meios de produção. Por exemplo, a América Latina e Caribe é a região mais desigual do planeta em relação ao acesso à terra.
A insegurança alimentar é uma das manifestações da nossa desigualdade: a causa da fome na América Latina e no Caribe é a incapacidade dos pobres de comprar a comida de que necessitam. É um problema de acesso, esse é o nosso calcanhar de Aquiles.
Para resolver o problema, é necessária uma abordagem em âmbito social, econômico e produtivo. É essencial melhorar o acesso dos pobres em todos os sentidos: acesso a melhores empregos e renda; acesso a oportunidades; à terra e água.
As crises recentes recordam a vulnerabilidade que a região ainda tem: a inclusão social ainda depende, em grande parte, do crescimento econômico. No entanto, vários países conseguiram proteger a população vulnerável usando programas de transferência de renda e outras estratégicas de proteção social e incentivos econômicos e produtivos.
Esses programas são especialmente importantes nas áreas rurais, onde cerca de metade da população regional que vive em situação de pobreza extrema está localizada. Muitos são pequenos agricultores sem acesso a recursos naturais e apoio produtivo.
Apoiar esses agricultores familiares traz um duplo benefício. O setor representa uma das populações mais vulneráveis à fome mas, apesar da sua situação precária, é responsável por produzir a maior parte do alimento consumido na região.
Apesar de desempenhar importante papel, o setor ainda tem um grande potencial a ser desenvolvido. Os benefícios podem ser multiplicados se a agricultura familiar for vinculada a programas de transferência de renda, ao fortalecimento de mercados locais e também à alimentação escolar.
Não existem receitas mágicas para garantir o direito à alimentação, mas acabar com a fome não é tão difícil ou caro quanto mandar alguém à Lua. Erradicar a fome é uma meta possível, mas exige o compromisso de toda a sociedade e ações nos níveis nacional e internacional. A FAO está pronta para contribuir para esse objetivo, apoiando os países em seus esforços. Espero que a Conferência Regional em Buenos Aires dê um passo a mais, decidido, nessa direção.
José Graziano da Silva é diretor-geral da agência Food and Agricultural Administration (FAO).
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