* Doutor
em direito internacional, professor titular do Instituto Rio Branco e membro
do Tribunal Permanente do Mercosul
A
inserção de temas ecologicamente corretos e de tutela do meio ambiente ganhou
espaço definitivo na grande agenda internacional. De forma curiosa, não foram
temores procedentes de catástrofes nucleares que precipitaram o advento das
novas tendências e prioridades da política internacional. Como uma das
primeiras demandas do pós-guerra fria, o tratamento jurídico do enfrentamento
do aquecimento global e das consequências funestas do efeito estufa têm
suscitado interesse generalizado dos países. Afinal, o meio ambiente não usa
passaporte. Também, quando se pergunta qual o futuro do planeta, a questão
parece abstrair questões como o grau de desenvolvimento, a ideologia, a
política ou a economia.
Nesse
quadro, o Brasil tem sido ator dos mais participativos, tanto como gerador
contumaz de problemas, quanto como formulador eficiente de soluções. Com
isso, a diplomacia brasileira tem-se debruçado com renovado interesse em
relação ao tema, em crise de identidade a contemplar constantes idas e vindas
do banco dos réus para o púlpito solene da acusação. O poder simbológico da
escolha do Rio de Janeiro para substituir Kyoto e as capitais nórdicas como
sedes das negociações ambientalistas demonstra, desde logo, o protagonismo e
a atualidade das postulações brasileiras.
Em
dezembro de 2009, em Copenhague, 40 mil pessoas e 125 chefes de governo se
debruçaram sobre o leito preocupante de um planeta enfermo. O desafio era
definir um regime jurídico apto a enfrentar e prevenir os efeitos deletérios
do aquecimento global e das inelutáveis mudanças climáticas. Com menos
audiência e interesse, o Protocolo de Kyoto, de 1997, já houvera fracassado
em suas ambições de limitar a ação poluidora de emissão de gases promotores
do efeito estufa, tanto pela defecção dos Estados Unidos, como pela
insubmissão de países em desenvolvimento. Trata-se de exemplo clássico de
tratado efetivo, por cumprir todas as formalidades, mas ineficaz pela
impossibilidade de poder realizar seus objetivos.
Copenhague
também representou frustração, na impossibilidade de gerar obrigação
internacional geral e abrangente, a única fórmula possível para enfrentar de
forma satisfatória os desafios do meio ambiente. De fato, o acordo em petit
comitê, negociado por grupo apartado de chefes de Estado, além de revelar o fracasso
negociador, não possuía o condão de impor-se a todos os países, o que gerou
sua não adoção pelas Nações Unidas. Resultado: todas as esperanças se
voltaram para a presente conferência do Rio Janeiro.
Enquanto
a Europa vai ensinando ao mundo que a política não pode ser sempre refém da
economia, no projeto suicida de salvar o euro à revelia do bem-estar das
pessoas, o espectro do aquecimento global continua a pairar, emulado por
interesses econômicos que aprisionam a política e a diplomacia. Pelos imperativos
da razão e contra a rebeldia de líderes mesmerizados pelo calendário político
e pelo imediatismo da manutenção do poder, as esperanças se renovam, na
crença de que é possível avançar na governança global do meio ambiente.
Se no
segundo pós-guerra foi a diplomacia do terror que permitiu alguma eficácia no
desarmamento nuclear, como ímpeto de sobrevivência diante da fatalidade da
destruição da humanidade, agora pode-se evocar a mesma motivação. Em face do
alarmante sinal vermelho ambiental, não há tempo para tergiversações, embora
os tempos da política internacional tenham sempre seus mistérios. Na
possibilidade de novo fiasco em que a Rio+20 possa se constituir, é
importante que a diplomacia brasileira saiba trabalhar com criatividade,
também para não permitir a contaminação da imagem brasileira, associada à
ideia do fracasso que se anuncia.
Se a
realidade é atroz e não comporta otimismo, sempre vale a exortação de
François Ewald: o direito do meio ambiente deve ser um direito de
interdependência, de indispensável solidariedade, no qual, para evocar Jean
Paul Sartre, "é impossível salvar-se só".
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