quinta-feira, 14 de junho de 2012

Os riscos da diplomacia climática


Fonte: Correio Braziliense
Autor: Jorge Fontoura*
* Doutor em direito internacional, professor titular do Instituto Rio Branco e membro do Tribunal Permanente do Mercosul


A inserção de temas ecologicamente corretos e de tutela do meio ambiente ganhou espaço definitivo na grande agenda internacional. De forma curiosa, não foram temores procedentes de catástrofes nucleares que precipitaram o advento das novas tendências e prioridades da política internacional. Como uma das primeiras demandas do pós-guerra fria, o tratamento jurídico do enfrentamento do aquecimento global e das consequências funestas do efeito estufa têm suscitado interesse generalizado dos países. Afinal, o meio ambiente não usa passaporte. Também, quando se pergunta qual o futuro do planeta, a questão parece abstrair questões como o grau de desenvolvimento, a ideologia, a política ou a economia.

Nesse quadro, o Brasil tem sido ator dos mais participativos, tanto como gerador contumaz de problemas, quanto como formulador eficiente de soluções. Com isso, a diplomacia brasileira tem-se debruçado com renovado interesse em relação ao tema, em crise de identidade a contemplar constantes idas e vindas do banco dos réus para o púlpito solene da acusação. O poder simbológico da escolha do Rio de Janeiro para substituir Kyoto e as capitais nórdicas como sedes das negociações ambientalistas demonstra, desde logo, o protagonismo e a atualidade das postulações brasileiras.

Em dezembro de 2009, em Copenhague, 40 mil pessoas e 125 chefes de governo se debruçaram sobre o leito preocupante de um planeta enfermo. O desafio era definir um regime jurídico apto a enfrentar e prevenir os efeitos deletérios do aquecimento global e das inelutáveis mudanças climáticas. Com menos audiência e interesse, o Protocolo de Kyoto, de 1997, já houvera fracassado em suas ambições de limitar a ação poluidora de emissão de gases promotores do efeito estufa, tanto pela defecção dos Estados Unidos, como pela insubmissão de países em desenvolvimento. Trata-se de exemplo clássico de tratado efetivo, por cumprir todas as formalidades, mas ineficaz pela impossibilidade de poder realizar seus objetivos.

Copenhague também representou frustração, na impossibilidade de gerar obrigação internacional geral e abrangente, a única fórmula possível para enfrentar de forma satisfatória os desafios do meio ambiente. De fato, o acordo em petit comitê, negociado por grupo apartado de chefes de Estado, além de revelar o fracasso negociador, não possuía o condão de impor-se a todos os países, o que gerou sua não adoção pelas Nações Unidas. Resultado: todas as esperanças se voltaram para a presente conferência do Rio Janeiro.

Enquanto a Europa vai ensinando ao mundo que a política não pode ser sempre refém da economia, no projeto suicida de salvar o euro à revelia do bem-estar das pessoas, o espectro do aquecimento global continua a pairar, emulado por interesses econômicos que aprisionam a política e a diplomacia. Pelos imperativos da razão e contra a rebeldia de líderes mesmerizados pelo calendário político e pelo imediatismo da manutenção do poder, as esperanças se renovam, na crença de que é possível avançar na governança global do meio ambiente.

Se no segundo pós-guerra foi a diplomacia do terror que permitiu alguma eficácia no desarmamento nuclear, como ímpeto de sobrevivência diante da fatalidade da destruição da humanidade, agora pode-se evocar a mesma motivação. Em face do alarmante sinal vermelho ambiental, não há tempo para tergiversações, embora os tempos da política internacional tenham sempre seus mistérios. Na possibilidade de novo fiasco em que a Rio+20 possa se constituir, é importante que a diplomacia brasileira saiba trabalhar com criatividade, também para não permitir a contaminação da imagem brasileira, associada à ideia do fracasso que se anuncia.

Se a realidade é atroz e não comporta otimismo, sempre vale a exortação de François Ewald: o direito do meio ambiente deve ser um direito de interdependência, de indispensável solidariedade, no qual, para evocar Jean Paul Sartre, "é impossível salvar-se só".

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