Se os
brasileiros importassem casacos feitos de pele de panda, certamente
estaríamos contribuindo para a extinção desse simpático urso chinês. Do mesmo
modo, se os chineses usassem casacos de mico-leão-dourado, seriam acusados de
contribuir para a destruição da biodiversidade brasileira. Imagine que a
balança comercial entre China e Brasil se restringisse a esses dois produtos:
poderíamos dizer que a balança comercial de ameaças à biodiversidade entre os
dois países estaria equilibrada.
Mas o
comércio entre Brasil e China não é tão simples: exportamos soja, frango,
madeira e minério. Importamos roupas e centenas de outros produtos
industriais. Ao produzirmos tudo o que exportamos para a China, contribuímos
para a extinção de espécies da Amazônia e do Cerrado. Por sua vez, ao
produzir tudo o que nos vendem, os chineses poluem seus rios e também
destroem parte da sua biodiversidade. Será possível calcular a balança
comercial de ameaças à biodiversidade entre Brasil e China? Qual seria o
valor líquido dessa balança? Estaríamos importando três ameaças a espécies
chinesas e exportando cinco ameaças a espécies brasileiras?
Parece
conversa de louco, mas cientistas mapearam o impacto do comércio
internacional sobre o risco de extinção de espécies ameaçadas.
Não é
tão complicado. Os cientistas selecionaram 6.964 espécies listadas por órgãos
internacionais como ameaçadas de extinção em 187 países. Em seguida fizeram
um levantamento das 166 atividades humanas que ameaçam essas espécies (por
exemplo, desmatamento e poluição). Para cada uma das espécies, eles
identificaram quais das atividades humanas contribuíam para a extinção de
cada espécie em cada um dos países. Isso gerou um banco de dados com 171.825
combinações de espécies, países e atividades econômicas (exemplo: no Brasil,
o mico-leão-dourado é ameaçado pela destruição da Mata Atlântica para a
produção de frutas).
Esse
primeiro banco de dados foi integrado a um segundo, com 15.909 tipos de
transações comerciais, tanto internas quanto entre países (exemplo:
exportações de frutas do Brasil, importação de carros da China).
Cruzando
estes dois bancos de dados, é possível identificar o fluxo comercial
responsável pela ameaça a cada uma das espécies. Examinando o exemplo de
Madagascar, fica fácil entender o tipo de resultado desse estudo. Lá existem
359 espécies em risco de extinção. Metade da culpa por esse risco vem de
atividades econômicas que geram produtos consumidos dentro do próprio país;
25% da culpa recai sobre produtos exportados para a União Europeia e 25% para
a China. O restante da culpa é dividida entre Japão e EUA. Um mapa interativo
com todos os dados do estudo para cada país pode ser consultado no site
worldmrio.com/biodivmap.
Com
base nesses dados, é possível descobrir que alguns países, no balanço final,
são "importadores" de extinção de espécies, ou seja, as mercadorias
que importam causam mais ameaças no restante do mundo que as mercadorias que
eles exportam causam em suas espécies. Exemplos desse grupo são EUA, Japão,
Coreia do Sul e Canadá. Outros países são "exportadores" de
extinção, ou seja, as mercadorias que exportam causam mais estragos em casa
do que o estrago feito no restante do mundo pelas mercadorias que eles importam.
É o caso de Madagascar, Tailândia e Indonésia.
Surpresa.
O que me surpreendeu foi o caso do Brasil. Imaginei que éramos um
"exportador" de extinção, pois destruímos a Floresta Amazônica para
produzir carne e grãos, exportamos madeira e minerais e importamos muitos
produtos industrializados. O estudo (veja no site indicado acima) indica que
o Brasil tem 356 espécies entre as estudadas. A maioria delas é impactada
principalmente por atividades econômicas que suprem nosso mercado doméstico.
Somente 35 delas estão sob ameaça por atividades de exportação.
Por
outro lado, nossa atividade de importação afeta 76 espécies ao redor do
mundo. Assim, apesar de nossa imensa biodiversidade, nossa balança comercial
de ameaças à biodiversidade é mais parecida com a de um país europeu do que
com a de um país agrícola do Sudeste Asiático.
É claro
que esse trabalho é preliminar e os autores listam extensivamente os
potenciais problemas e dificuldades de um estudo tão abrangente como esse,
mas o interessante é que pela primeira vez foi mapeada, em escala global, a
responsabilidade dos produtos que circulam nas rotas do comércio
internacional pela destruição da biodiversidade do planeta.
Estudos
como este serão aperfeiçoados e se tornarão instrumentos importantes na
divisão, entre os países, da responsabilidade pela destruição da
biodiversidade. Também ajudarão na discussão de quem deve pagar a conta
associada à preservação da biodiversidade. Um bom assunto para os corredores
da Rio+20.
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