segunda-feira, 4 de junho de 2012

Medidas 'picotadas e protecionistas' podem inibir investimento

Fonte: Valor Econômico
Autor: Por Sergio Lamucci

A profusão de medidas adotadas pelo governo para tentar estimular a economia pode sair pela culatra, desestimulando em vez de incentivar o investimento, adverte o economista Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, desonerações tributárias e aumentos de tarifas de importação para determinados setores tendem a incentivar as empresas a buscar benefícios semelhantes em Brasília, e não a procurar estratégias em suas fábricas para torná-las mais produtivas.

"Entendo que o governo quer ir na direção correta, de estimular investimento, mas fazer medidas picotadas na verdade incentiva que se vá atrás de benefícios em Brasília", afirma Castelar, para quem o ideal é adotar políticas mais amplas, como a simplificação da estrutura tributária e a redução da burocracia e da incerteza jurídica.

Ao comentar o tombo do investimento nos últimos três trimestres, Castelar diz que o principal motivo foi conjuntural, fruto da combinação de um cenário externo incerto e de uma economia doméstica em desaceleração há vários trimestres. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O investimento recuou por três trimestres seguidos. O principal motivo é conjuntural ou estrutural?

Armando Castelar: Principalmente por motivos de conjuntura, tanto externa quanto doméstica, embora o Brasil tenha historicamente uma taxa de investimento baixa, o que é estrutural.

Valor: Qual é o peso do quadro internacional para a queda do investimento? É preponderante?


Castelar: Em alguns setores, acho que ele é preponderante, como em mineração e agropecuária. Uma parte do investimento que vinha bem nos últimos anos ocorria nesses setores, naqueles voltados para o mercado exportador, principalmente a China. Esse investidor viu então o país asiático desacelerando, e então ele mesmo desacelera os seus investimentos, por não saber para onde vão os preços de commodities, para onde vai a demanda. Além disso, a sensação de crise no cenário externo afeta a confiança das empresas. É um risco a mais a ser colocado no planejamento. E os bancos europeus são importantes no financiamento externo a regiões como a América Latina. Mas, do ponto de vista da crise externa o primeiro trimestre foi até bom. As injeções de liquidez feitas pelo Banco Central Europeu em dezembro e em fevereiro deram um alívio. Houve uma certa percepção de que se poderia estar embarcando numa recuperação.

Valor: E o peso da desaceleração da atividade doméstica?

Castelar: Se você pega o PIB e compara o trimestre com o mesmo trimestre do ano anterior, essa taxa de expansão diminui há oito trimestres. O ritmo vem claramente se desacelerando. Não foi algo pontual no primeiro trimestre de 2012. Isso esfria o ânimo do investimento. A produção de bens de capital vem desacelerando num ritmo muito forte, assim como as importações desses produtos. Isso ocorre há alguns trimestres.

Valor: O custo do investimento no Brasil é alto a ponto de inibir as empresas de tentar ampliar e modernizar a capacidade produtiva?

Castelar: O governo até vem trabalhando nessa questão do custo do investimento, fazendo desoneração de IPI para bens de capital. Além disso, o câmbio ajudou muito nos últimos anos, ao baratear a importação de bens de capital. O que inibe o investimento no Brasil é menos o custo de se fazer investimento, até porque a grande empresa pega dinheiro no BNDES a juros muito baixos.

Valor: Não houve então uma piora das condições para se investir, em termos de aumento de custos?

Castelar: Acho que não. Houve algumas coisas pontuais. Está mais caro construir em regiões metropolitanas, porque os preços dos terrenos aumentaram muito, e o custo da mão de obra subiu. Mas até recentemente, com a valorização do câmbio, os preços de máquinas e equipamentos haviam caído. E o governo também concedeu algumas desonerações para bens de capital. O dinheiro do BNDES também é barato. O problema não é o custo de realizar o investimento, mas mais a incerteza sobre o retorno. Eu vejo dois grandes problemas. O primeiro é que, quando começa a funcionar, paga uma carga tributária gigantesca.

Valor: Qual é o outro problema?

Castelar: Há uma insegurança, uma incerteza muito grande sobre projetos no Brasil, como na área tributária. Novos impostos são criados, e há insegurança a respeito de como a coisa vai ser interpretada. Há a mesma coisa na área trabalhista. Um enorme problema na área de tecnologia, de pequenos empreendimentos, é que se o projeto dá errado, o investidor fica o resto da vida respondendo à Receita Federal, à Previdência Social, à Justiça do Trabalho. Uma coisa que piorou nos últimos anos no Brasil é a separação entre a pessoa física e a pessoa jurídica. Ela está cada vez menos clara. Se a responsabilidade não é limitada, e avança sobre o patrimônio da pessoa, ela vai pensar muito antes de investir.

Valor: Que outros motivos explicam a baixa taxa de investimento brasileira?

Castelar: Ela também se explica pelo pouco investimento em infraestrutura. O Brasil investe de 2% a 2,3% do PIB por ano em infraestrutura, mas deveria investir algo como 5% do PIB. Isso reduz a rentabilidade do investimento. Há empresas que têm gerador próprio de energia elétrica, o caminhão dura menos tempo no Brasil porque a as estradas são ruins.

Valor: A desvalorização recente do real pode ajudar a indústria a mudar esse quadro?

Castelar: Pode ajudar, mas o efeito sobre o investimento é ambíguo. Os bens de capital importados devem ficar um pouco mais caros. Com o câmbio mais depreciado a indústria fica mais competitiva domesticamente, com mais capacidade de concorrer com o produto importado. Mas a evidência mostra que o preço em dólar dos produtos importados deve diminuir um pouco também. O produtor de outros países reduz um pouco os preços para não perder o mercado, o que significa que o aumento do produto importado em reais não deve ser tão forte quanto sugere a desvalorização do câmbio. Exportar continua difícil, pois a demanda externa segue fraca.

Valor: O setor público deve conseguir contrabalançar a freada do investimento privado?

Castelar: Eu gostaria de acreditar que sim, porque o país precisa investir mais em infraestrutura, mas não vejo isso ocorrendo. O governo tem uma dificuldade de gastar, de realizar investimentos. Eu tenho mais expectativa em relação a concessões e privatizações. Na área de aeroportos, mesmo a contragosto, o governo recorreu a concessões porque viu a proximidade da Copa.

Valor: O que mais segura o investimento?

Castelar: Há um problema de ambiente de negócios muito grave. Muitos dizem que o investimento é baixo porque a poupança é baixa. A questão da poupança é relevante, mas não é por falta dela que o investimento hoje é baixo. O BNDES tem uma quantidade enorme de dinheiro, e o estrangeiro também tem disposição para financiar. Se o país conseguir elevar com força o investimento, aí sim teremos um problema de poupança. O BNDES aumentou os seus desembolsos de 1% do PIB em 1995 para 5% do PIB em 2010, e a taxa de investimento quase não se mexeu.

Valor: Como acelerar o investimento?

Castelar: Simplificar muito a estrutura tributária e reduzir a burocracia e a incerteza jurídica. É necessário olhar a questão ambiental com cuidado, além de avançar no investimento em infraestrutura. É importante fazer parcerias público-privadas, privatizações e concessões. E, ao longo do tempo, é necessário reduzir a carga tributária. Também é fundamental melhorar a questão do risco e da separação da pessoa física e da jurídica.

Valor: E as medidas que têm sido adotadas pelo governo para estimular a atividade?

Castelar: O governo tem feito uma enorme quantidade de pequenas medidas, com separações por setor, aumentando imposto de importação e promovendo desonerações. Isso desestimula o investimento, por tornar mais difícil entender o ambiente de negócios. Segundo, e talvez principalmente, porque com isso pode ser mais interessante ir a Brasília para conseguir um favor, como a redução do IPI ou o aumento da tarifa de importação, do que ficar na empresa pensando em como torná-la mais produtiva. Entendo que o governo quer ir na direção correta, de estimular investimento, mas fazer medidas picotadas incentiva que se vá atrás de benefícios em Brasília.

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