Em março, escrevi neste espaço que a recuperação do mercado de ações ocorrida no início do ano tinha sido reflexo da redução da probabilidade de ocorrência de três grandes medos: a recessão nos EUA, a crise bancária na Europa e o "hard landing" (pouso forçado) da China. O mercado de ações brasileiro, por sua vez, mantido o cenário externo, teria um limitado potencial de alta neste ano, dado o baixo crescimento da economia esperado para este ano e o medíocre crescimento dos lucros das empresas abertas.
Desde então, apenas a economia americana manteve a sua lenta e gradual recuperação. Na China, a continuidade de sinais de desaceleração renovou o temor de queda brusca do crescimento, ainda sem uma reação proporcional do governo. Isso aumentaria o risco de maior queda do preço das commodities. Já na Europa, a indefinição política na Grécia impulsionou a corrida aos bancos, reacendeu o risco de sua saída do euro e o contágio nas economias mais frágeis do bloco. As lideranças políticas europeias estão sendo forçadas a decidir entre suavizar o ajuste fiscal, ameaçando comprometer a credibilidade do bloco ou ter que administrar as reações em cadeia de uma retirada da Grécia.
Do nosso lado, o crescimento continua decepcionando, com as mais recentes projeções para o ano caindo de 4% para abaixo de 3%, apesar da contínua queda da Selic. Apesar disso, a expectativa inflacionária ainda não alcançou o centro da meta e a recente alta do câmbio deve dificultar ainda mais essa convergência.
Para completar, os resultados do primeiro trimestre das empresas abertas vieram majoritariamente em linha ou abaixo das projeções já ajustadas pelo conservadorismo vigente.
Nesse sentido, é justificável a realização ocorrida no mercado brasileiro nos últimos três meses, seguindo o desempenho dos mercados internacionais.
O que não é tão simples de entender é porque o mercado brasileiro tem mostrado um desempenho tão pior que o da grande maioria dos mercados emergentes.
É certo que o mercado brasileiro apresentou em outros momentos de forte volatilidade um beta alto, isto é, caiu mais do que outros mercados na crise, mas se recuperou mais rapidamente nas retomadas. Ocorre que essa alta volatilidade do mercado de ações é normalmente acompanhada pela alta flutuação do preço das commodities e do risco-país. Mas, desde março, o risco-país, medido pelo CDS de cinco anos, tem-se mostrado bem comportado, subindo em linha com a média dos mercados emergentes, e o índice CRB caiu apenas 6%. Enquanto isso, o mercado brasileiro caiu 16% em reais e mais de 25% em dólares. Isso significou uma queda de 12% em relação à média dos mercados emergentes.
Dessa forma, a relação entre o mercado de ações brasileiro e a média dos emergentes atingiu o patamar mínimo registrado em outubro de 2008, época em o CDS de cinco anos do Brasil subiu 50% a mais que o da média dos emergentes, os preços das commodities tiveram forte queda (o CRB caiu 38% no período) e os investidores eram surpreendidos com as enormes perdas cambiais de empresas da qualidade de Aracruz e Sadia, espalhando desconfiança sobre a saúde financeira de todas as grandes empresas brasileiras.
É importante mencionar que o investidor estrangeiro tem direcionado o mercado de ações brasileiro há muitos anos.
Os investidores locais, anestesiados pela alta taxa de juro real, têm seguido o comportamento dos estrangeiros e, apesar da queda recente dos juros, ainda não assumiram o papel de protagonistas. Daí a importância de entender a visão dos estrangeiros sobre nosso mercado.
O investidor estrangeiro em ações tem mostrado, desde o ano passado, claros sinais de desconforto com o Brasil, exigindo maiores retornos (ou preços mais baixos) para aumentar a exposição às ações brasileiras em seu portfólio. Os pontos de desapontamento dos investidores estrangeiros vão da baixa taxa de crescimento da economia, passando pela falta de reformas ou iniciativas que suportem uma perspectiva de crescimento de longo prazo e a persistência da inflação acima do centro da meta e do nível de investimento abaixo do necessário.
Assim como ocorre com algumas importantes e sólidas empresas abertas que mostram crescimento muito abaixo da média do seu setor, têm dificuldade em esclarecer sua estratégia de longo prazo e não se destacam pela política de comunicação com os investidores, o Brasil vem perdendo atratividade para o gestor internacional de ações.
Dada a alta liquidez do mercado e a solidez econômica do país, a maioria dos investidores estrangeiros não abandonará o mercado brasileiro. Mas, além de exigir maiores retornos, provavelmente voltaram a considerá-lo um "trading market" (fluxo volátil e oportunista), em vez de "investing market" (fluxo com perspectiva de longo prazo). Isso explicaria a alta volatilidade do fluxo estrangeiro de ações neste ano.
Porém, mesmo nessa situação de "trading market", o desconto relativo do Brasil já parece excessivo e deverá atrair novo fluxo positivo.
Se esse fluxo será suficiente para garantir a retomada da tendência de alta neste ano, vai depender do cenário externo, particularmente do que ocorrer na China e na Europa. Nos dois casos, não acredito em catástrofe. A China tem margem de manobra para suavizar a desaceleração. Já na Europa, os efeitos da eventual saída da Grécia tem sido tão antecipada e detalhadamente analisada que já pode estar precificada. Além disso, a enorme relação custo-benefício para ambos os lados deve favorecer o bom senso, em vez da radicalização.
Nesse sentido, entendo que a tendência de alta do mercado de ações brasileiro pode ser retomada ainda neste ano, através da volta do fluxo externo, que aproveitará a oportunidade criada pelo desconto exagerado do mercado brasileiro frente aos demais emergentes.
Walter Mendes é gestor e sócio da Cultinvest Asset Management. E-mail: walter.mendes@cultinvest. com.br Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.
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