As fricções se intensificam no comércio internacional, no rastro da deterioração da situação econômica em meio à crise do euro e de mais competição entre os países para não perderem muitas fatias de mercados. As pressões aumentam para governos elevarem barreiras na fronteira sob o argumento de salvar emprego e proteger indústrias locais, em reação ao que consideram concorrência desleal e subsídios abusivos.
Na sexta-feira, a Organização Mundial do Comércio (OMC) recebeu duas denúncias significativas: da União Europeia (UE) contra a Argentina, por causa de práticas consideradas desleais, e da China contra os Estados Unidos, em que o país asiático contesta sobretaxas antissubsídios aplicadas a vários produtos chineses pelos americanos.
A UE estaria pronta também a lançar uma das maiores queixas contra a China em uma década, alvejando a exportação chinesa de equipamentos de telecomunicações que seriam beneficiados com subsídios estatais ilegais. O caso difere de disputas anteriores contra produtos baratos, e desta vez atingirá um setor de alto valor comercial e estratégico.
As divergências entre China, Índia, Estados Unidos e União Europeia sobre exigências de conteúdo local, transferência de tecnologia e subsídios vêm crescendo, segundo o Global Trade Alert (GTA), um mecanismo apoiado financeiramente pelo Banco Mundial.
Até entre uniões aduaneiras igualmente o protecionismo cresce. O maior exemplo comentado nos corredores da OMC é a tensão entre o Brasil e a Argentina.
"Estamos vivendo em tempos perigosos, há claramente pressões políticas crescendo por proteção em vários paises. E isso pode piorar", diz Philip Levy, professor de economia internacional na Universidade de Columbia, em Nova York, e ex-assessor de comércio no governo americano.
"Talvez não seja ainda guerra comercial, mas evidências sugerem que logo podemos ter uma", acrescenta Craig VanGrasstek, professor de negociações comerciais na Universidade de Harvard e diretor da firma "Washington Trade Reports", especializada em monitorar e analisar políticas comerciais.
"Os sinais são muito ruins, seguidos por respostas agressivas que podem deflagrar uma escalada descontrolada [de protecionismo]", diz Levy. "Os países vão tentar empurrar [as barreiras] até a beira do que é tolerável."
As projeções da OMC são de expansão de apenas 3,7% este ano para o comércio global, numa forte queda comparado a 13,8% em 2010 e 5% em 2011.
Em cinco meses, a OMC recebeu 11 pedidos de deflagração do mecanismo de disputas, comparado a oito em 2011. São casos que refletem movimentos protecionistas anteriores. E, se são confinados no mecanismo de disputa da OMC, significa que não é guerra comercial. Ainda.
Medidas unilaterais e da chamada zona cinzenta se refletem mais nos dados do Global Trade Alert (GTA). O relatório aponta a Rússia, Argentina e Brasil como os países que mais vêm aumentando diferentes tipos de barreiras a produtos importados, incluindo medidas técnicas e sanitárias. Desde o começo da crise global, em 2008, a Rússia adotou 258 medidas protecionistas de toda ordem, a Argentina, 182, o Brasil, 152, a India, 151, a China, 132.
Na OMC, a constatação é também de proliferação de medidas que não estão previstas em nenhuma legislação. São práticas administrativas, através de instruções verbais por parte de autoridades para frear importações.
Outro elemento importante, que vem chamando menos atenção, é o rumo das negociações da Farm Bill, a lei agrícola americana, e da Política Agrícola Comum da União Europeia. Os EUA dizem querer reduzir o orçamento para apoio à agricultura. Mas, ao mesmo tempo, querem dar mais subsídios que distorcem o comércio internacional, com amplo potencial para mais disputas, por exemplo.
VanGrasstek, de Harvard, nota que as disputas nos EUA estão agora focadas especialmente sobre a China e a Índia.
E, em meio à campanha eleitoral para a Presidência, o candidato republicano Mitt Romney já adotou a retórica de que seria mais duro com Pequim do que o presidente Barack Obama.
Mesmo entre iniciativas de liberalização comercial, o objetivo parece ser isolar parceiros. VanGrasstek nota que o foco da Parceria Transpacifíca de abertura comercial tem como alvo, na perspectiva dos EUA, mais um país que não está na negociação, a China, do que se aproximar dos outros oito que estão dentro.
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