Em março, a Bolívia foi cenário de 123 conflitos sociais, em sua grande maioria protagonizados por setores de classe média e média baixa que demandam melhoras salariais e de qualidade de vida, segundo dados da Fundação Unir de La Paz. Em 2011, o número chegou a 1.300. Este ano, um dos grupos mais combativos é o de médicos, que há mais de um mês estão parados em todo o país em repúdio ao aumento da jornada de trabalho de seis para oito horas. Com este pano de fundo, que vem deteriorando a imagem de Evo Morales, analistas locais afirmam que a renacionalização da Transportadora de Eletricidade (TDE) buscou, sobretudo, "dar um banho de popularidade" num presidente que já pensa em buscar um terceiro mandato consecutivo nas eleições de 2014.
- O governo está apelando aos sentimentos nacionalistas para se reposicionar e recuperar parte do respaldo perdido - afirma o economista Gonzalo Chávez, professor da Universidade Católica Boliviana.
Segundo ele, "a fotografia econômica da Bolívia mostra hoje um país que cresceu entre 4,5% e 5% nos últimos anos, tem equilíbrio fiscal e monetário e uma inflação baixa, entre 6% e 7%". No entanto, "a tomografia econômica, um exame mais profundo, mostra uma série de tumores, entre eles uma economia informal que já envolve 85% dos trabalhadores bolivianos, a falta de industrialização e diversificação da indústria, o consequente aumento das importações e total dependência das exportações de gás, minérios e soja, o que torna o país vulnerável às oscilações dos preços internacionais".
- Com o governo Morales, a Bolívia cresceu graças ao cenário mundial favorável (preço do gás mais alto). Mas esse crescimento não trouxe mais investimentos nem ajudou a desenvolver a economia - diz Chávez.
Pelo contrário. Nos anos anteriores à chegada de Morales ao poder, o país recebia em torno de US$ 1,5 bilhão por ano em investimentos estrangeiros diretos, bem acima dos US$ 500 milhões injetados pelo Estado na economia. No governo do Movimento ao Socialismo (MAS), a situação se inverteu:
- O investimento estatal comanda hoje nosso crescimento, e os recursos estrangeiros chegam, basicamente, para manter o que já foi feito.
Depois de ter sido eleito com 54% dos votos em 2005, e reeleito com 62% em 2009, Morales perdeu o apoio de muitos eleitores, decepcionados com um governo que não cumpriu promessas de campanha. Nos últimos seis anos, a Bolívia recebeu US$ 25 bilhões pelas exportações de matérias primas e remessas de bolivianos no exterior. O montante é expressivo para um dos países mais pobres do continente, cujo PIB ronda US$ 20 bilhões. A bonança , porém, não melhorou o mercado de trabalho, nem resolveu demandas sociais.
- Vemos muito dinheiro na Bolívia, mas poucos empregos com carteira e direitos plenos - destaca o analista político Carlos Cordero, da Universidade Maior de San Andrés, para quem a nacionalização da TDE "tem como principal objetivo ofuscar os conflitos sociais". - É uma decisão calculada politicamente.
Outro problema que paira sobre o Palácio Quemado (sede do Executivo) é a nova marcha dos indígenas que se opõem à construção de uma estrada que atravessará o Território Indígena Parque Nacional Isidoro Sécure (Tipnis), na região amazônica.
- Os indígenas contam com o apoio da classe média, que se afastou de Morales. As próximas semanas serão difíceis para o governo - diz Cordero.
A oposição tenta uma alternativa para 2014. Um dos possíveis candidatos é o empresário Samuel Doria Medina, cuja empresa de cimento foi nacionalizada por Morales.
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