quarta-feira, 2 de maio de 2012

Indústria depende de escolhas impopulares

Fonte: Valor Econômico
Autor: Renato Fragelli Cardoso

Pergunta: A desindustrialização é inevitável frente às escolhas feitas pelo Brasil na condução da economia?

A participação da indústria de transformação, medida a preços de 2008, era de 23% do PIB na média de 1973-1976, tendo caído para 16% em 2009-2011. Contribuíram para isso a terceirização, que retirou muitos serviços da contabilização do valor adicionado da indústria, a redução do preço internacional dos bens industriais e o aumento da renda per capita brasileira, que elevou mais intensamente a demanda por serviços do que a por bens industrializados. A magnitude da queda tem suscitado a defesa de políticas destinadas a contê-la, desconsiderando fatores internacionais e opções nacionais que parecem estruturais.

Até os anos 50, o Brasil produzia basicamente bens primários. Os preços internacionais dos industrializados eram altos e os dos primários baixos, pois a indústria mundial concentrava-se na Europa e EUA. Dependente da exportação de bens primários, o Brasil enxergou na industrialização a saída para romper o ciclo vicioso da pobreza e eliminar as recorrentes crises cambiais. Não dispondo de capital, mão de obra qualificada ou tecnologia industrial, o Brasil atraiu multinacionais oferecendo como atrativo um mercado potencialmente grande que se fecharia aos que não se instalassem no país.

O fechamento às importações elevou o preço doméstico dos bens industrializados. Num país cuja educação pública era restrita a poucos, a acelerada industrialização aumentou a procura por mão de obra qualificada, elevando os salários dos trabalhadores de classe média, que tinham tido o privilégio de frequentar escolas. Entre 1960 e 1970, o coeficiente de Gini subiu de 0,537 para 0,583. Em 1990 atingiu 0,61. A mesma proteção que estimulou a modernização do país contribuiu para agravar a concentração de renda.

Modelo de industrialização muito distinto foi o da Coreia do Sul. Na década de 1950, enquanto a Coreia investia em educação, qualificando sua mão de obra para a absorção e o desenvolvimento de novas tecnologias, o Brasil preferiu construir uma nova capital federal. Enquanto a flexibilidade do mercado de trabalho coreano promoveu a cooperação entre capital e trabalho, a rígida legislação trabalhista brasileira estimulou conflitos, elevando custos. Enquanto a modicidade do programa previdenciário coreano elevou a poupança a 30% do PIB, a prodigalidade do programa brasileiro manteve a poupança doméstica em apenas 17%, exigindo pesada tributação sobre a folha salarial da indústria. Enquanto o pequeno mercado coreano forçou sua indústria a modernizar-se continuamente para enfrentar a competição externa, o grande mercado brasileiro, insulado da competição estrangeira, desestimulou a inovação.

Entre 1980 e 1994, quando o socialismo deliquescia mundo afora, o fechado Brasil levou uma década e meia renegociando seu modelo de sociedade. A decisão democraticamente tomada em 1988 foi por um país menos desigual. Para domar a gigantesca inflação provocada pela elevação dos gastos sociais, a sociedade brasileira teve que superar alguns tabus, como abrir a economia, privatizar empresas e eliminar monopólios estatais. A nova Constituição forçou a elevação da carga tributária de 25% do PIB, em 1988, para 35% atualmente. Para coletar essa imensidão de recursos, uma complexa legislação tributária impõe elevados custos administrativos à indústria - agravados pela incerteza jurídica decorrente da lentidão da Justiça.

Após o colapso do socialismo na década de 1980, as enormes populações asiáticas abandonaram gradualmente a agricultura de subsistência voltando-se para a indústria exportadora. Com trabalhadores recebendo salários que seriam considerados aviltantes pelos sindicatos brasileiros e, mesmo assim, poupando metade do que ganham - pois não terão generosas aposentadorias públicas na velhice -, os custos da indústria são baixos e a poupança doméstica alta. A ampliação da oferta chinesa de bens industrializados, acompanhada da retração de sua agricultura, reduziu o preço internacional dos bens industrializados e elevou o dos primários.

O aumento dos preços dos bens primários exportados, a partir de 2005, foi o principal responsável pela atual valorização da taxa de câmbio. Países com alta poupança conseguem manter uma taxa de câmbio desvalorizada, sem elevar a inflação, pois a expansão monetária gerada quando a autoridade monetária compra moeda estrangeira dos exportadores é, em seguida, revertida pela venda de títulos públicos aos poupadores, sem que seja necessário elevar os juros. Devido à baixa poupança doméstica brasileira, o BC não conseguiu impedir a valorização do real.

O Brasil deveria ter aproveitado a bonança dos elevados preços dos bens primários para semear seu futuro, promovendo uma reforma previdenciária que elevasse a poupança doméstica em 5% do PIB, em 20 anos, de modo a viabilizar a redução da carga tributária sobre a indústria, a queda permanente dos juros reais e alguma reversão da taxa real de câmbio. Mas preferiu transformar aquele maná em consumo presente, maximizando a popularidade de seus presidentes. Trata-se de uma decisão democrática legítima, devidamente sancionada pelo eleitor, mas com implicações econômicas severas.

Sem uma estratégia consistente de longo prazo, o governo identifica no "tsunami monetário dos países ricos" um bode expiatório para os problemas da indústria. E sai atabalhoadamente em seu socorro com medidas casuísticas - injeção de R$ 300 bilhões no BNDES, ressurreição da indústria naval em detrimento da competitividade da indústria petrolífera, majoração seletiva de IPI sobre importação de industrializados - que aliviam dificuldades de curto prazo, criando esqueletos para o futuro.

Em resumo, o ambiente externo que historicamente justificou a proteção à indústria inverteu-se completamente, mas os fatores domésticos que solapam sua competitividade continuam intocados. Um eventual retorno aos preços internacionais do passado dependeria de fatores imponderáveis, como uma desestruturação do modelo exportador chinês - devido a uma Primavera Asiática, por exemplo -, ou uma rápida evolução institucional da África que viabilizasse a mobilização de seu potencial de produção dos mesmos bens primários exportados pelo Brasil. São fenômenos improváveis. Segue-se que a preservação da indústria exige escolhas impopulares - a principal é uma ampla reforma previdenciária - que não estão na pauta do governo.

Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola de Pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (EPGE-FGV).

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