terça-feira, 8 de maio de 2012

Com restrições, governo vizinho tenta "forçar" exportações

Fonte: Valor Econômico

A política argentina de obrigar importadores a compensar suas compras com exportações de terceiros, de caráter informal e adotada desde fins de 2009, teve resultados nulos na balança comercial do país. No ano passado, as importações argentinas cresceram 30,8%, percentual abaixo apenas do da Colômbia no continente, e somaram US$ 73 bilhões. Já as exportações do país subiram 24%, indo para US$ 84 bilhões, percentual que só superou o de Uruguai e Chile entre os países da América Latina.

Com o aumento das restrições depois da criação da Declaração Jurada sobre as Importações, em fevereiro, as compensações tendem a crescer. De acordo com uma pesquisa do próprio instituto de estatísticas do governo, o contestado Indec, 97% das empresas que participam da pesquisa de estimativa mensal industrial utilizam algum insumo importado em sua produção. Mas as próprias características do mercado argentino travam o uso do modelo "uno por uno" - modelo pelo qual o governo tenta fazer com que as importações de uma empresa sejam compensadas com suas exportações.

"O uso desta prática não foi generalizado e partiu principalmente de empresas transnacionais, que já estão vocacionadas a fazer um trânsito de mão dupla na área internacional", comentou o diretor de relações institucionais da Câmara de Importadores da Argentina (CIRA), Miguel Ponce. "Existem problemas formais que impedem que todas as importações possam ser compensadas por exportações. Os contratos sociais de muitas empresas não preveem essa possibilidade e muitas vezes não existem linhas de crédito para um importador exportar", disse Marcelo Elizondo, dono da consultoria de comércio exterior DNI e ex-presidente da Fundação Exportar, uma agência governamental.

Segundo Elizondo, a estrutura produtiva argentina é dependente das importações. "O uso da capacidade instalada está tão alto que faz com que não se rompa a dependência de insumos importados. Quanto mais se produz, mais se importa", disse. O setor automotivo é o principal exemplo. "O índice de nacionalização argentino é inferior a 50%. Com o aumento de compras do Brasil até o ano passado, as importações neste mesmo setor também aumentaram."


A escalada foi detida este ano, nas duas vias, com a barreira das declarações juradas que congelou as importações do país. No primeiro trimestre do ano, as compras externas caíram 0,2%, permanecendo em cerca de US$ 15,3 bilhões.

A paralisação da importação já afeta as exportações no setor automotivo, majoritariamente para o Brasil. De acordo com os dados da Adefa, a associação argentina de fabricantes, no primeiro quadrimestre foram exportados 114,9 mil automóveis e veículos leves, ante 142,6 mil no mesmo período no ano passado. O Brasil representa 76% do total. "Manter importações congeladas terá efeito catastrófico na atividade produtiva e é por isso que ninguém acredita que essa barreira tenha fôlego longo", disse Elizondo. Para o consultor "operações de compensação só geram efeitos na balança a longo prazo e vinculadas a cadeias produtivas, não a empresas".

No Brasil, a impressão de executivos que fazem negócios com a Argentina é que a prática do "uno por uno" aumentou. Há cerca de um mês um executivo de uma fabricante de eletrodomésticos recebeu um email que despertou sua curiosidade. Um empresário do mesmo setor na Argentina perguntava se o executivo brasileiro gostaria, por acaso, de comprar azeitonas argentinas.
Ao procurar o empresário, o executivo brasileiro descobriu que o argentino estava adotando a estratégia do "uno por uno", pelo qual cada dólar exportado permite um dólar de importação. O argentino relatou que estava exportando qualquer bem que pudesse, mesmo que totalmente alheio à sua cadeia produtiva.

José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que a prática tende a se intensificar com as medidas recentes do governo argentino de restrição à importação. "O problema é que as possibilidades da pauta de exportação dos argentinos aos brasileiros não são muito amplas porque está baseada em muitas commodities que o Brasil produz em volume e qualidade", diz. "Acabam sendo muito ofertados produtos como azeitonas, azeite e alpiste." Os brasileiros, diz, tornam-se alvo quase preferencial dos argentinos para essas exportações "atípicas" pela proximidade geográfica e pela relação comercial.

Nos três anos de vigência da prática do "uno por uno", que jamais se traduziu em uma norma legal, o pitoresco prevaleceu nas transações. A mais recente é o da produtora de pneus Pirelli, que se comprometeu a exportar em mel o equivalente a importação de insumos para a sua produção, avaliada em US$ 110 milhões. A transação foi anunciada pela própria presidente Cristina Kirchner, na inauguração de uma unidade da empresa. Procurada por este jornal, a Pirelli não se pronunciou.
A medida envolvendo a Pirelli foi defendida em um congresso de produtores pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno. Ele relatou que foi procurado pelos pequenos produtores que pediam ajuda governamental na aquisição de insumos, como o açúcar, que representa 40% do custo. Em vez de subsidiar o setor, o governo levou os apicultores até à multinacional italiana. "Quem quer importar, tem que exportar", disse o secretário.

Da mesma maneira, a produtora de eletrônicos Newsan teve que começar a vender moluscos e a importadora de veículos Porsche ingressou no mercado de vinho e amendoim. A prática foi objeto de uma queixa formal de 40 países contra a Argentina na Organização Mundial do Comércio (OMC). (César Felício, com Marta Watanabe, de São Paulo)

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