"O que Portugal pode produzir que o restante do mundo queira comprar?"
Os especialistas que tentam dar um fim rápido à crise econômica e financeira do país fizeram muitas vezes essa pergunta desde que Lisboa foi obrigada a pedir uma operação internacional de socorro financeiro, um ano atrás.
O papel higiênico preto preferido de Simon Cowell, o renomado produtor de TV britânico, e os sapatos usados pela mãe e pela irmã da noiva no casamento do príncipe William com Kate Middleton, no Reino Unido, estão entre as respostas menos esperadas a serem dadas pelos exportadores portugueses.
O ritmo do crescimento das exportações de Portugal se intensificou nos últimos 12 meses, reduzindo o déficit da balança comercial e concedendo um vislumbre de esperança a um país atolado em profunda recessão, às voltas com uma taxa recorde de desemprego e defrontando-se com um futuro incerto.
No primeiro trimestre de 2012, um aumento de 11,6% nas exportações e uma queda de 3,3% nas importações reduziram o déficit comercial para € 2,68 bilhões, 38% menos do que os € 4,35 bilhões computados no mesmo período do ano passado, segundo o instituto nacional de estatística português.
As autoridades portuguesas estão confiantes de que é possível chegar a um déficit comercial zero no médio prazo. Essa é uma notícia especialmente bem-vinda num país cujos problemas, segundo Poul Thomsen, do Fundo Monetário Internacional (FMI), são "singularmente estruturais".
Mais do que os acordos de socorro financeiro para a Grécia ou a Irlanda, o programa de ajustes de Portugal está focado nas reformas econômicas destinadas a fomentar o crescimento puxado pelas exportações e a tirar o país do endividamento.
"Alguma coisa, com certeza, está mudando", diz Cristina Casalinho, economista-chefe do banco BPI. "As exportações são o único motor [de crescimento] que temos e há indícios estimulantes de que os exportadores estão persistentemente fazendo incursões em novos mercados fora da Europa."
A AutoEuropa, uma unidade de produção da Volkswagen perto de Lisboa e a segunda maior exportadora de Portugal, expandiu suas vendas fora da Europa de 19% do total das exportações da fábrica em 2010 para 32% nos três primeiros meses deste ano. A China é atualmente o maior mercado individual de seu cupê Scirocco.
As exportações portuguesas para a China cresceram 76% em 2011. Isso representou uma bem-vinda diversificação para mercados de alto crescimento não europeus. As exportações para os demais países da União Europeia (UE) caíram de 81,5% do total do país em 2000 para 74% no ano passado.
"Uma parcela muito significativa do nosso sucesso pode ser atribuída a fatores portugueses", diz António de Melo Pires, diretor-executivo da AutoEuropa. "O país investiu significativamente em educação e formação, principalmente em engenharia e em produção industrial."
A unidade da Volkswagen, que compra 60% de suas peças de fornecedores portugueses, respondeu em 2011 por 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal e por 4,6% das exportações.
Os veículos e autopeças foram os responsáveis pela maior contribuição para a aceleração do crescimento das exportações, um sinal da participação cada vez maior da tecnologia nos produtos portugueses.
"Produtos de baixo preço não são mais uma alternativa para Portugal, porque sempre haverá alguém que pode fabricá-los de forma mais barata em outro país", diz Luís Saramago, diretor de marketing da Renova, a maior produtora do país de lenços e outros produtos de papel.
O Renova Black, um papel higiênico "de grife" que conquistou um certo status de "cult", é apenas um exemplo da "inovação e diferenciação de produtos" considerada essencial por Saramago para conquistar participação de mercado no exterior.
As exportações responderam por pouco mais de 50% das vendas da Renova, de cerca de € 130 milhões no ano passado, com artigos como lenços de papel perfumados e uma linha "verde" de produtos de papel reciclados comercializados em mais de 60 países.
Jorge de Melo, diretor-executivo da Sovena, a segunda maior produtora mundial de azeite de oliva, diz: "Foi feito certo avanço importante em termos de legislação trabalhista, mas ainda há fatores de produção, como o alto preço da energia, que dificultam que os produtos portugueses tenham competitividade no exterior".
A Sovena, com um faturamento de cerca de € 900 milhões no ano passado, vende aproximadamente 75% de sua produção no exterior e está se empenhando em entrar em mercados como China, Rússia e Índia, onde o azeite de oliva não é um produto de primeira necessidade. "A queda da taxa de câmbio do euro beneficiou as vendas, principalmente no Brasil", diz Melo.
Num sinal da crescente confiança dos exportadores portugueses, Jorge Correia, fundador da Helsar, uma empresa calçadista de controle familiar sediada perto da cidade do Porto, afirma que nenhum produto sai de sua fábrica sem o selo "Made in Portugal".
"Alguns clientes italianos nos pedem para pôr o selo "Made in Italy", mas nunca vou permitir isso", afirma Correia.
Defrontada com o colapso em seu mercado interno, consequência da recessão, a Helsar elevou as exportações do patamar de 9% das vendas de seis anos atrás para aproximadamente 70% hoje. Seus calçados conquistaram particular prestígio quando pares encomendados especialmente foram usados no casamento real britânico por Carol e Pippa Middleton, entre outros convidados.
"No setor calçadista, o "Made in Portugal" tem atualmente quase o mesmo peso que o "Made in Italy"", afirma Correia, "e, em países em desenvolvimento, como a China, não há diferença entre eles".
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