quinta-feira, 31 de maio de 2012

Brasil e transparência internacional

Fonte: Valor Econômico
Autor:  Sergio André Rocha

O caminho que o Brasil tem pela frente até atingir a posição de quinta economia mundial em 2015, de acordo com previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do próprio Ministério da Fazenda, certamente será longo e repleto de desafios. Para os pessimistas, há diversas dificuldades nessa trajetória. Já os otimistas viram um avanço importante com a avaliação positiva da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em relação aos níveis de transparência internacional para fins fiscais registrados no Brasil.

Em 2009, o Brasil passou a integrar o Fórum Global de Transparência e Troca de Informações (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes) da OCDE. Criado em 2000 como um grupo ad hoc da OCDE, atualmente o fórum global conta com mais de cem países e tem trabalhado fortemente para o desenvolvimento e a aplicação de padrões globais de transparência fiscal.

O fórum tem suas atividades futuras coordenadas por um "steering group", enquanto um "peer group" é responsável por conduzir revisões dos sistemas legais dos próprios países-membros, buscando verificar sua adequação à troca de informações ficais. O Brasil é membro de ambos os grupos.

As revisões realizadas pelo peer group são desenvolvidas em duas fases. Na fase um, é examinado o ordenamento jurídico do país, com objetivo de determinar se o mesmo viabiliza a troca de informações fiscais. Já na fase dois, revisa-se a implementação prática de tais regras.


Leva-se anos para que um tratado assinado aqui entre em vigor efetivamente

Em 2011, o Brasil foi revisado na fase um pelo Peer Group. Agora, em abril de 2012 a OCDE divulgou o relatório da revisão brasileira, que buscou identificar a base regulatória do Brasil para a troca de informações fiscais entre o nosso Fisco e as autoridades fiscais de outros países, tendo atenção principal: (a) à disponibilidade da informação; (b) ao acesso à informação; e (c) às regras específicas, domésticas e internacionais (tratados celebrados pelo Brasil), sobre troca de informações.
De uma maneira geral, a conclusão do relatório do Peer Group do Fórum Global foi positiva, reconhecendo que a legislação brasileira possui regras que viabilizam às autoridades fiscais acesso às informações referentes a contribuintes e transações, inclusive operações bancárias, de modo que o Brasil estaria em condições de atender às solicitações de informações feitas por outros países.

Em relação à disponibilidade das informações, a única ressalva dos revisores foi sobre a possibilidade de o sigilo que protege informações obtidas por advogados vir a ser um obstáculo à obtenção de informações solicitadas por outro país. Neste ponto, parece descabida a posição do Peer Group, já que o sigilo profissional dos advogados, que é essencial à Justiça, não pode ser posto de lado por conta dos interesses fiscais de autoridades nacionais ou estrangeiras. Além disso, é difícil imaginar uma situação em que determinada informação fiscal somente existirá nas mãos do advogado do contribuinte.

Outra crítica foi referente à obrigação de notificação do contribuinte antes que a autoridade fiscal possa ter acesso direto a informações bancárias. Ora, se ainda há sérias dúvidas a respeito da própria constitucionalidade da quebra de sigilo bancário pelo Fisco, não se pode imaginar que a intimação prévia do contribuinte possa ser afastada por conta de interesses da administração fiscal de outro país.

Os demais pontos levantados pelo Peer Group foram pertinentes. A troca de informações pelas autoridades do Brasil está prevista nos 29 tratados tributários brasileiros em vigor. Porém, como tais tratados foram assinados em momentos distintos, a redação da regra de troca de informações não é homogênea, e nem sempre segue o padrão previsto no modelo da OCDE. Dessa forma, os revisores mostraram a necessidade de se fazer diversos ajustes redacionais nas regras de alguns tratados brasileiros para que se encaixem ao padrão internacional.

Mais um ponto procedente refere-se à demora para que os tratados internacionais celebrados pelo Brasil entrem em vigor. Como notado pelo Peer Group, normalmente leva-se anos para que um tratado assinado aqui efetivamente entre em vigor e seja aplicável.

Os trabalhos do Fórum Global, que agora chegam mais fortemente ao Brasil, mostram a preocupação internacional com a transparência e a troca de informações. Trata-se de um tema que não tem ocupado tanto a agenda dos contribuintes por aqui, mas que vem ganhando enorme importância em termos globais. O Brasil passará agora pela revisão na fase dois. É importante que acompanhemos os trabalhos do Peer Group e que busquemos a criação de um sistema que garanta o direito dos contribuintes no contexto da troca de informações fiscais entre os países.

Sergio André Rocha é sócio de consultoria tributária da Ernst & Young Terco e professor de direito tributário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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