O Ministério da Justiça decidiu abrir cinco processos de investigação contra 44 empresas acusadas de participar de cartéis que elevaram os preços de computadores, televisores e componentes eletrônicos no Brasil entre 1998 e 2009. São cinco cartéis mundiais, organizados por empresas que venderam produtos como tubos, painéis, discos ópticos e memórias em centenas de países
Cinco cartéis elevaram o preço de computadores, televisores e componentes eletrônicos no Brasil, entre 1998 e 2009. Em todos os casos, os cartéis são mundiais. Eles foram organizados por empresas que venderam produtos, como tubos, painéis, discos ópticos e memórias, para centenas de países.
Como o Brasil foi incluído entre os países que adquiriram produtos desses cartéis, o Ministério da Justiça decidiu abrir investigação contra 44 empresas. Algumas aparecem em mais de uma investigação. A LG, por exemplo, está em duas investigações nas quais há o nome de três de suas subsidiárias. A Hitachi aparece em três processos. A Toshiba e a Quanta estão em dois processos com duas subsidiárias diferentes cada uma. Já a Samsung é suspeita nos cinco processos que foram abertos pela Secretaria de Direito Econômico (SDE).
Se forem condenadas, as empresas vão ter que pagar multas que variam entre 1% e 30% de seus respectivos faturamentos. A decisão final em cada processo será do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
As investigações foram divididas por produtos. Há um processo específico para apurar cartel na venda de leitores de disco óptico (chamados de ODDs) e outro envolvendo a comercialização de memória dinâmica de acesso aleatório (Dram). Em ambos os casos, a SDE considera que não apenas os fabricantes de computadores foram prejudicados, mas também as empresas que fazem consoles de jogos eletrônicos (videogames) e tocadores de DVD e de Blue-ray.
No setor de tubos para computadores, a SDE investiga dois cartéis diferentes: um deles é sobre as vendas de componentes de vidro para tubos de raios catódicos (CRTs) e o outro trata dos tubos para displays coloridos (CDTs).
Apesar de os tubos para monitores serem pouco utilizados, pois estão sendo trocados pelas telas planas, a SDE tem uma preocupação específica com cartéis envolvendo esses produtos, já que eles ainda são adquiridos por consumidores com renda baixa e por escolas públicas.
Por fim, há um processo sobre cartel no setor de painéis de TFT-LCD (as chamadas telas planas de computadores e televisores). Nesse caso, a preocupação do governo é que a tela é um dos componentes mais significativos no custo total de computadores e televisores.
Todas as investigações foram abertas, primeiro, no exterior. Com base nas provas colhidas pelos órgãos de defesa econômica da Europa e dos Estados Unidos, a SDE iniciou apurações no Brasil.
"Combater os cartéis internacionais nesse setor é uma forma de proteger o mercado interno", afirmou ao Valor o secretário de Direito Econômico, Vinícius Marques de Carvalho. "Estamos atentos para que os casos de combinação de preços que aconteceram lá fora não se repitam no Brasil."
No caso do cartel de tubos de CDTs, o primeiro a abrir processo foi o órgão de defesa econômica canadense, em agosto de 2007. Dois meses depois, a Comissão Europeia também decidiu apurar o caso. O órgão de defesa húngaro abriu outro processo, em maio de 2008. Um ano depois, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos denunciou dois ex-executivos chineses da Chunghwa Picture Tubes por conspiração. Em 2009, a SDE abriu processo no Brasil.
Na maioria dos casos, os envolvidos são asiáticos. No cartel da memória Dram, 15 executivos foram presos, nos Estados Unidos, por períodos que variaram entre 4 e 14 meses, e também pagaram multas individuais de US$ 250 mil.
No Brasil, a estimativa é a de que os cartéis internacionais da computação elevaram em 10% a 20% o preço de cada um dos produtos. Como é difícil calcular o valor total do prejuízo, a SDE está utilizando estudos do BNDES para verificar os danos às empresas que compraram componentes e aos consumidores. Um desses estudos mostra que o déficit comercial no setor de produtos eletrônicos no país chegou a US$ 6 bilhões anuais, em 2001. Outro estudo utilizado no processo do cartel de telas de LCD aponta déficit de R$ 1,5 bilhão por ano até 2009.
Na Europa e nos Estados Unidos, as companhias que compraram componentes eletrônicos das empresas envolvidas no cartel estão correndo para corrigir o prejuízo. Em maio de 2010, a Comissão Europeia condenou os fabricantes de memória Dram a pagar multas superiores a € 330 milhões, o que não impediu os clientes daquelas companhias a abrir novas ações nos Estados Unidos. Elas iniciaram um processo na Corte Distrital do Norte da Califórnia, região onde estão concentradas as grandes companhias de tecnologia que adquirem memória Dram, pedindo indenizações. Três empresas envolvidas no cartel fecharam acordos, em 2010, para pagar entre US$ 9 milhões e US$ 11 milhões cada uma.
No caso do cartel de LCD, a Motorola, a ATT e a Nokia entraram com diversas ações na Justiça dos Estados Unidos pedindo indenização às empresas que participaram do cartel, mesmo depois de a Sharp, a LG e a Chunghwa se US$ 585 milhões às autoridades americanas. Esse cartel levou cinco executivos para a cadeia, em períodos que variaram entre 7 e 12 meses. Os executivos também pagaram multas, mas os pedidos de indenização continuam tramitando na Justiça americana.
No Brasil, as empresas que foram prejudicadas pelo cartel também podem pedir indenização. Segundo os autos do processo na SDE, os alvos primários do cartel são grupos que adquirem componentes eletrônicos, como Apple, Dell, IBM, Compaq, HP e Gateway.
Em todas as investigações, há relatos de trocas de informações sobre preços, percentuais de aumentos, estoques e as cotações desses produtos no exterior. No caso dos leitores ópticos, há cópias de e-mails, registros de telefonemas e de reuniões de diretores de empresas em restaurantes e bares para combinar preços.
No caso dos tubos de CDT, as reuniões entre concorrentes aconteceram em Taiwan, na Malásia, na Coreia do Sul e na China. Nesses encontros, as empresas teriam feito acordos para interromper as linhas de produção simultaneamente e, com isso, reduzir a oferta de produtos para evitar queda de preços. Para se certificar de que ninguém ia romper os acordos, representantes de uma empresa iam até a sede da outra para ver o processo de interrupção diretamente nas fábricas.
No caso dos tubos de CRT, as empresas também teriam se organizado para divulgar ao mesmo tempo as inovações tecnológicas, principalmente na transferência dos tubos antigos de CRT para os de LCD, evitando que uma "furasse" a outra.
Várias empresas confessaram o crime na Europa e nos Estados Unidos para obter redução de pena. Esse tipo de acordo também é possível no Brasil, onde pode ser negociado com a SDE. No Cade, as empresas podem pedir a antecipação de pena e pagar um valor reduzido de multa para encerrar o processo. Mas, em ambos os casos, elas têm que entregar provas para ajudar as autoridades a condenar os demais participantes de cada cartel.
Na maioria dos casos, as empresas investigadas são subsidiárias dos grupos aos quais pertencem e não têm operação direta no Brasil. As compras dos componentes são feitas por meio de escritórios instalados nos Estados Unidos, ou diretamente na Ásia.
Procuradas pelo Valor, as assessorias de imprensa da LG, NEC, Philips e Sony informaram que o posicionamento sobre as investigações ficaria a cargo das unidades fora do país e não conseguiram respostas até o fechamento desta edição. Hynix e Infineon não retornaram os pedidos de entrevista. A assessoria de imprensa da Samsung afirmou que o porta-voz estava em viagem. A Epson do Brasil, por meio de sua assessoria, destacou que a companhia transferiu parte dos ativos de sua subsidiária Epson Imaging Devices relacionados aos negócios de telas de cristal líquido para a Sony Group, em abril de 2010, encerrando a fabricação de produtos relacionados no fim do mesmo ano. A empresa ainda acrescentou: "A Epson do Brasil não poderá fornecer mais subsídios ao questionamento do Valor porque a empresa nunca comercializou esse tipo de LCDs no país e não faz parte de nenhuma investigação oficial no Brasil. Destacamos que não existe nenhuma ligação direta entre Epson do Brasil e a Epson Imaging Devices Corp, e que não existe relações comerciais de qualquer natureza com a referida empresa". (Colaboraram Gustavo Brigatto e Moacir Drska, de São Paulo)
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