Em 2011, o número de investigações antidumping abertas no Brasil pelo Departamento de Defesa Comercial reduziu-se, em comparação a 2010. Entretanto, isso não significa arrefecimento da tendência protecionista. A utilização de instrumentos de defesa comercial intensificou-se antes mesmo da crise de 2008 e a perspectiva para 2012 é de aumento das tensões protecionistas, no Brasil e no mundo.
Em 2011, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) abriu 16 novas investigações antidumping, além de quatro investigações de práticas elisivas de circunvenção e três processos de subsídios. No total, foram 24 investigações abertas em 2011.
A origem mais investigada novamente é a China, cujas exportações estão envolvidas em cinco das 16 novas investigações, além da revisão. Índia, Indonésia, Vietnã, Coreia do Sul e Tailândia estão envolvidos em duas investigações, cada país. Completam a lista Austrália, Bélgica, EUA, México, Paraguai, Rússia, Turquia e Uruguai. As investigações de 2011 envolveram 12 produtos diferentes, de químicos e petroquímicos a têxteis. Boa parte desses produtos são insumos, e o efeito da proteção comercial em insumos sobre a competitividade das cadeias produtivas é controverso.
Taxa de câmbio e não a crise é o principal motor da aplicação de direitos antidumping no Brasil
O número de investigações de 2011 é bem inferior ao observado em 2010, quando a Secex abriu 40 investigações, que envolveram também 12 produtos. A redução do número de abertura de investigações antidumping, entretanto, não significa o abrandamento da política protecionista no país. Em primeiro lugar, deve-se considerar o grande número de investigações encerradas em 2011. Foram 32 investigações encerradas, sendo 16 com aplicação de medida protecionista. Com isso, o número de direitos antidumping aplicados pelo Brasil passou de 80 pela primeira vez, desde que o instrumento passou a ser utilizado no país, no final dos anos 80.
É importante observar que a crise de 2008 não resultou no aumento de medidas antidumping aplicadas pelo país. Ao contrário: esse número vinha oscilando entre 40 e 50 desde o início dos anos 2000, começou a aumentar antes mesmo da crise, no início de 2007, estabilizou-se em torno de 70 nos meses posteriores à crise, e só recentemente voltou a aumentar. Assim, reforça-se a hipótese de que o principal fator que influencia a aplicação de direitos antidumping no Brasil não é a crise, mas a taxa de câmbio.
Em segundo lugar, chama a atenção o estoque de investigações ainda em andamento, aguardando conclusão. São 36 investigações, envolvendo 13 produtos; alguns já com determinação preliminar de cobrança do direito antidumping em vigor. Em terceiro lugar, e mais importante, destacam-se as demais medidas protecionistas adotadas pelo Brasil em 2010.
A evolução das medidas protecionistas no mundo, das tradicionais (antidumping, salvaguardas e medidas compensatórias) às mais disfarçadas ("murky protectionism"), como barreiras não tarifárias, requisitos de conteúdo local, licitações públicas, etc, é monitorado pelo Global Trade Alert (GTA), num esforço coordenado pelo Centre for Economic Policy Research (CEPR).
O 10º Relatório do GTA, publicado no fim de 2011, destaca que as tensões protecionistas ao redor do mundo aumentaram significativamente no terceiro trimestre de 2011 e atribui isso à deterioração das condições macroeconômicas globais; como resultado, os países estariam adotando postura mais defensiva em suas políticas comerciais. Simon J. Evenett, o autor do relatório, aponta que as medidas adotadas atingiram o nível dos piores períodos de 2009, no auge da crise, e que os principais países do comércio mundial ampliaram o escopo de medidas protecionistas. E conclui: "O sistema mundial de comércio pode estar enfrentando seu maior teste no próximo ano", isto é, em 2012.
O relatório atual classifica o Brasil como o nono país que mais infligiu dano comercial a outros países, medido pelo número de medidas discriminatórias implementadas (49 medidas), desde 2009. Nesse critério, as economias mais agressivamente protecionistas são, na ordem, a União Europeia (242), a Rússia (112) e a Argentina (111).
Além disso, o relatório também citou o Plano Brasil Maior como uma das principais medidas protecionistas adotadas no mundo no terceiro trimestre de 2011, destacando especificamente a instituição de margem de preferência em licitações governamentais, a aceleração do processo de investigações antidumping e a desoneração da folha de pagamentos para empresas que empregam grande volume de mão de obra.
Por outro lado, ainda segundo o relatório, o Brasil foi alvo de 203 medidas estrangeiras que "quase certamente" discriminam contra os interesses do país. Os países que mais adotaram essas medidas contra o Brasil foram, na ordem, Argentina e Rússia. Exemplo argentino é a adoção de preços de referência na importação de produtos têxteis brasileiros, em dezembro de 2011; no caso da Rússia, a introdução de quotas tarifárias sobre as importações de certos produtos alimentares, medida publicada em junho de 2011.
As novas medidas protecionistas anunciadas pela Argentina no início deste ano, que obrigam as empresas importadoras a apresentar a "Declaração Juramentada Antecipada de Importação", parecem confirmar que 2012 será mesmo um teste difícil para o sistema mundial de comércio.
Sergio Goldbaum é professor da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Sócio da GPM Consultoria Econômica.
André Michelin é mestrando do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). Sócio da GPM Consultoria Econômica.
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