sábado, 4 de fevereiro de 2012

China do bem e do mal

Correio Braziliense
Autora: Rosana Hessel
País asiático é o maior parceiro comercial do Brasil, mas se limita a comprar alimentos e minérios, ao mesmo tempo em que impõe derrotas à indústria nacional com seus produtos mais baratos. Chineses tiram proveito das fragilidades brasileiras


O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, resume muito bem a importância que a China ganhou para a economia brasileira nas últimas duas décadas: "Se aquele país continuar crescendo acima de 8% ao ano, o Brasil poderá transitar pela atual crise com certa tranquilidade". Diante da quantidade de indicadores detidos pelo presidente do BC, tais palavras ganham uma dimensão preocupante. No seu entender, um espirro mais forte na nação asiática fará estragos maiores por aqui do que todo o terremoto que abala a Europa, tamanha a dependência que se criou das exportações de produtos agrícolas e de minérios para o outro lado do mundo.

O problema pararia por aí, não fosse a invasão de produtos chineses no Brasil. Com baixos custos de produção, mercadorias de todos os tipos, de roupas a carros, estão levando a nocaute vários setores da indústria nacional. A concorrência está tão feroz e a gritaria dos empresários, tão alta, que o governo resolveu atender o pleito dos que pregam barreiras comerciais. Mesmo assim, a onda chinesa cresce em uma velocidade impressionante. Por uma simples razão: em vez de combater as fragilidades da economia nacional — impostos altos e infraestrutura deficiente —, o país tem optado pelo caminho mais fácil: restringir a importação por meio de canetadas.

"Estamos diante de um quadro assustador", sentencia o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Enquanto consome as nossas commodities (produtos básicos com cotação internacional), sem valor agregado, a China está mudando toda a sua base de exportação. Foi-se o tempo em que a nação asiática, a segunda maior economia do planeta, só despachava quinquilharias por meio de seus portos. Focado na inovação, em uma educação de qualidade e em uma infraestrutura de Primeiro Mundo, o governo chinês induziu as empresas locais a fabricarem o que há de melhor. Tudo com uma moeda, o yuan, bastante desvalorizada em relação ao dólar.

No Brasil, a situação é totalmente oposta. O real está supervalorizado, as estradas estão em estado crítico, os portos mostram saturação e falta coordenação dentro do governo. "Hoje, não se exporta mais porque não temos infraestrutura e a burocracia que faz com que 17 ministérios se envolvam com o comércio exterior, reduzindo a competitividade dos nossos produtos lá fora", lamenta Castro.
Aviões e vinho
A despeito do quadro sombrio, os especialistas são taxativos: Brasil e China caminharão juntos nos próximos anos e décadas. A aposta é de que a nação asiática continuará sendo o maior parceiro comercial brasileiro. Mas, para que a relação continue avançando sem grandes traumas, o país precisará melhorar a qualidade de suas exportações. "Infelizmente, a nossa pauta de exportações para os chineses é predominantemente de produtos básicos, enquanto importamos muitos manufaturados deles. Será preciso um trabalho intenso para aumentar as nossas vendas de mercadorias acabadas", afirma.

É verdade que alguns passos para melhorar tal realidade já foram dados. A exportação de produtos de alto valor agregado, como aviões, ajudou no aumento do superavit brasileiro com a China de US$ 5 bilhões para US$ 11 bilhões entre 2010 e 2011. Mas ainda é pouco. As vendas também não podem ficar restritas à Embraer. Será preciso que um número maior de companhias brasileiras invadam a terra do dragão. A vinícola gaúcha Salton é um exemplo. A primeira investida em solo chinês começou em dezembro passado, quando despachou para lá o primeiro contêiner das linhas Volpi e Premium.

"A China é um dos nossos principais mercados-alvos. É o país que mais cresce no mundo e, com certeza, será o maior destino de nossas exportações a curtíssimo prazo", afirma o coordenador de exportação da empresa, Vagner Montemaggiore, coberto de razão. Nos cálculos do banco norte-americano Goldman Sachs, até 2050, a China será a maior economia do planeta e o Brasil, a quarta, atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. "A ascensão da China como potência foi acelerada com a atual crise mundial. E um exemplo disso é o fato de seus bancos estarem entre os maiores do mundo em valor de mercado", comenta o embaixador do Brasil em Pequim, Clodoaldo Hugueney.

Ele ressalta que, em 2010, o China Development Bank, abriu uma agência em São Paulo e está ampliando presença na América do Sul, enquanto o Banco do Brasil resolveu transformar seu escritório em território chinês em agência. "São passos importantes de uma relação que tem tudo para ser duradoura, com economias complementares. O Brasil é um grande produtor de alimentos e matéria-prima e a China tem demanda. Isso foi uma das razões de as exportações brasileiras continuarem crescendo a taxas significativas", analisa o diplomata.

Avanço menor
O economista do Itaú Unibanco Artur Manoel Passos está pessimista em relação ao crescimento da economia chinesa. Ele projeta avanço de 7,8% para aquele país neste ano e de 8% em 2013, números que soam como perigosos para o governo brasileiro. A seu ver, a desaceleração da atividade na China é inevitável. "Ao longo dos próximos anos, o PIB (Produto Interno Bruto) chinês não crescerá no mesmo patamar de antes (ou seja, acima de dois dígitos). A crise internacional afeta diretamente a demanda global e as exportações chinesas pagarão o seu preço", diz.

Questão estratégica
Embora veja complementaridade entre as economias brasileira e chinesa, o presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Sérgio Amaral, alerta: "Não é bom que o Brasil importe 90% de manufaturados, mais caros, e só exporte produtos básicos". Ele lembra que, para muitos, a China será uma mistura de ameaça, oportunidades e enigmas. Para domar o dragão, o país terá que invistir em infraestrutura e reduzir a carga tributária. Ganhar competitividade não é capricho, mas uma questão estratégica caso o Brasil queira, de fato, ocupar o lugar que lhe cabe na economia mundial.

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