domingo, 31 de julho de 2011

Caso dos Medicamentos Genéricos - Um possível acordo

Após longa discussão, Índia e União Européia (UE) chegaram a um acordo provisório sobre a apreensão realizada pelos Países Baixos e pela União Européia de remédios genéricos originados na Índia e que se destinavam a países em desenvolvimento (PED) e países menos desenvolvidos (PMD). Como se verá a seguir, as questões suscitadas neste conflito são de vital importância para países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, pois afetam a saúde pública e o acesso a medicamentos.

A disputa iniciou em dezembro de 2008, quando um carregamento medicamentos genéricos que saíra da Índia em direção ao Brasil, foi apreendido no momento em que estava em trânsito na Holanda. Após este episódio, outros carregamentos de medicamentos genéricos de origem indiana, destinados aos PED e PMD da América Latina e da África, foram apreendidos pelas autoridades aduaneiras holandesas e européias quando em trânsito no território destes países.

Em 11 de maio de 2010, a Índia solicitou consultas com a União Européia e Países Baixos, afirmando que as apreensões eram contrárias as normas internacionais do comércio. No dia seguinte, 12/05/2010, alegando, basicamente, os mesmos motivos apresentados pela Índia, o Brasil também solicitou consultas com estes mesmos países.

Na última sexta-feira, 29/07/2011, a Índia anunciou um acordo com a União Européia. O governo indiano assegurou que a Índia e o Brasil suspenderiam as consultas na OMC. Por sua vez, Holanda e os demais países membros da UE determinariam às autoridades da aduana que não efetuassem mais as apreensões, bem como enviariam um projeto de lei ao Parlamento Europeu, reformulando as leis aduaneiras.



Entenda melhor o conflito

Dentre as normas aduaneiras da União Européia, há o Regulamento CE nº 1383/2003, que regula as ações aduaneiras em relação às mercadorias suspeitas de violarem direitos de propriedade intelectual e as medidas a tomar contra estas mercadorias. De acordo com o Regulamento, ainda que a mercadoria esteja apenas em trânsito no território da UE, as autoridades aduaneiras poderão apreender as mercadorias suspeitas de violarem patentes européias.

Segundo a Holanda, o laboratório farmacêutico que detinha a patente européia sobre a fórmula do medicamento genérico apreendido, solicitou à autoridade aduaneira holandesa que interviesse e apreendesse a mercadoria, pois o laboratório indiano, fabricante e exportador do medicamento, não tinha sua autorização. Cumpre salientar que, neste caso em particular, o laboratório que apresentou a denuncia à Holanda não tinha os direitos de patente na Índia e no Brasil, países de origem e destino, respectivamente.

Neste momento, é importante lembrar que um dos princípios das patentes é a territorialidade, ou seja, o titular somente tem os direitos de propriedade industrial sobre o produto quando efetuar o depósito da patente no país em que desejar usufruir estes direitos.

Brasil e Índia entendem que tanto a apreensão dos medicamentos genéricos em trânsito na Holanda, quanto os dispositivos do Regulamento CE nº 1383/2003, violam artigos do Acordo Constitutivo, do GATT 94 e do Acordo de Propriedade Intelectual (TRIPS), todos da OMC.

Vamos para alguns argumentos levantados pelo Brasil e pela Índia:

As apreensões efetuadas pela Holanda e por alguns países da UE sob os auspícios do Regulamento CE nº 1383/2003, violam a obrigação de livre trânsito disposta no art. V do GATT/1994, pois as medidas tomadas pelas autoridades aduaneiras são discriminatórias e não razoáveis, impondo atrasos desnecessários e restrições a liberdade de trânsito.

Tampouco são observadas as obrigações relativas a publicação e administração dos regulamentos comerciais, dispostas no art. X do GATT/1994, haja vista que não são administrados de maneira uniforme, imparcial e razoável.

Os medicamentos genéricos de origem indiana foram fabricados e comercializados por meio de licença compulsória. Trata-se de um mecanismo previsto no art. 31 do TRIPS, que permite a um Estado, observadas algumas condições, conceder a terceiros o direito de explorar o produto patenteado sem autorização do titular da patente. Ademais, os PED e os PMD para os quais Índia estava exportando também haviam concedido licenças compulsórias para aquele produto. Assim, como a comercialização era entre Índia e estes países, não havia qualquer violação aos direitos de patente do titular, e a operação era totalmente legítima. Por não respeitar o art. 31 do TRIPS, Brasil e Índia acusam a União Européia de não observar as normas da OMC.

O Regulamento da CE nº 1383/2003 viola as determinações dispostas no art. 28 e 2º do TRIPS. De acordo com a interpretação conjunta destes dois dispositivos, os direitos de patente não podem ser estendidos de modo a interferir na liberdade de trânsito de medicamentos genéricos fabricados de acordo com a legislação dos países de origem e de destino.

O Regulamento também cria obstáculos desnecessários e ilegítimos, além de causar atrasos injustificados, bem como permitir o abuso de direito por parte do titular da patente, descumprindo as normas inseridas nos arts. 41 e 42 do TRIPS.

Por fim, alegam que o Regulamento viola os arts. 7º e 8º do TRIPS, pois não está promove o bem-estar social e econômico, não permite um equilíbrio de direitos e obrigações, além prejudicar a saúde pública nos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, além de impedir que a população mais carente tenha acesso aos medicamentos.

2 comentários:

  1. Uma errata: os medicamentos indianos apreendidos não necessariamente são produzidos sob licença compulsória, mas devido à utilização do período de transição garantido pelo TRIPS por parte da Índia. Isso faz com que hoje muitos medicamentos patenteados em diversos países do mundo não o sejam na Índia. Esse país só se utilizou de lincença compulsória para 2 medicamentos até hj

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  2. Olá, muito obrigada por sua contribuição! De fato, na importação dos medicamentos genéricos entre a Índia (país de origem) e os PMD e PED (países de destino), a licença compulsória é utilizada pelos países de destino, assim eles conseguem “quebrar” a patente dentro de seu território e tornar lícita a importação dos medicamentos genéricos indianos. Apesar de a Índia não mencionar no documento em que solicita as consultas, nos termos do artigo 66 do TRIPS, os países em desenvolvimento somente ficaram obrigados às determinações do Acordo a partir de 2006. Este prazo foi aproveitado pela Índia, todavia o Brasil desde 1995 adaptou sua legislação de propriedade industrial às determinações do Acordo de Propriedade Intelectual da OMC.

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