Fonte: Valor Econômico
Autor: César Felício
O governo da Argentina anunciou ontem um novo corte de subsídios ao consumo de água, gás e energia elétrica, modelo que consome cerca de US$ 17 bilhões, ou quase 4% do PIB nacional. Dessa vez, ao contrário do que ocorreu há 15 dias, quando foi feito o primeiro anúncio, envolvendo setores de baixo impacto, como de jogos de azar, não se tratou de gesto simbólico: foram cortados cerca de 3,97 bilhões de pesos argentinos, o que equivale a US$ 925 milhões.
Quatro setores empresariais foram atingidos: o de processamento de gás, o de produção de biocombustíveis, agroquímicos e refino de petróleo. O corte para o setor produtivo somou 80% do total de reduções anunciadas. O restante será obtido com a diminuição dos subsídios para dois dos bairros de maior renda de Buenos Aires: Puerto Madero e Barrio Parque, atingindo uma população de 230 mil usuários.
"Este é um claro sinal aos mercados", afirmou o ministro do Planejamento, Julio de Vido, manifestando de maneira explícita a estratégia da presidente Cristina Kirchner de tentar aumentar o clima de confiança de investidores no país, abalado desde que uma intervenção de caráter fiscal para sustentar a cotação oficial no mercado de câmbio fez com que a cotação do dólar disparasse no paralelo. Enquanto o corte de subsídios anterior não somou mais do que 1% do total anual gasto, o de ontem representou 5,7% da conta.
O governo demonstrou preocupação sobre o impacto da redução na inflação e ressalvou que o subsídio continuará mantido para o processamento de gás destinado a produção de botijões. O setor de processamento de gás é o principal atingido, somando cerca de 40% do corte. Os setores de biocombustíveis e de agroquímicos representam 20% cada e o de refino de petróleo, cerca de 10%.
O sistema de subsídios na Argentina começou a se acelerar a partir de 2002 e é considerado uma das maiores distorções na economia do país. Segundo o ministro da Economia e vice-presidente eleito, Amado Boudou, 53% do total de subsídios são pagos na cidade de Buenos Aires, cuja renda per capita anual é quatro vezes superior à média do país.
O residente em Buenos Aires tem nada menos que 77% de sua conta de luz paga pelo Estado. O peso dos subsídios fez com que o governo argentino promovesse um virtual congelamento tarifário nos últimos nove anos.
Em Córdoba e Santa Fé, cidades em que o subsídio não existe, mas o congelamento da tarifa está presente, a conta é duas vezes e meia maior do que na capital argentina. À medida em que os usuários passarem a ser os principais pagadores pelo serviço, abre-se caminho para uma recomposição da tarifa. As conversões e comparações constam na fatura dos clientes da Edenor, a distribuidora de energia na área norte de Buenos Aires. Segundo um levantamento feito em abril por Daniel Montamat, um dos principais consultores da área de energia no país, o preço da energia na Argentina é 58% inferior à média mundial.
Com o crescimento da economia argentina a uma taxa superior a 7% entre 2003 e 2011, com exceção do ano de 2009, a conta de subsídios acelerou-se rapidamente. Somente neste ano a projeção dos gastos passou de 3% para 4,1% do PIB. Gasta-se com o pagamento de subsídios o dobro do que é aplicado em programas sociais.
O aumento de gastos públicos neste ano deve se situar entre 35% e 40% em relação a 2010, segundo a estimativa de consultores independentes, o que significa um aumento de pelo menos dez pontos percentuais em relação à inflação extra-oficial, enquanto a previsão de aumento de arrecadação é de 21%. Segundo Boudou, os anúncios de corte de subsídios continuarão a ser feitos quinzenalmente. "A presidente determinou o máximo de gradualismo", afirmou.
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