No último dia 6 de setembro, o Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, proferiu um discurso na ONG CUTS, na Índia, cujo tema principal era o sistema multilateral do comércio do futuro.
Os assuntos abordados pelo Diretor Geral da OMC foram: a crise econômica atual e a tendência protecionista assumida pelos países, os desafios do sistema multilateral do comércio do futuro, a Rodada de Doha e a Conferência Ministerial que ocorrerá em dezembro/2011.
Vale a pena ler o discurso na íntegra (acesse aqui), mas gostaria de comentar uma questão atual e que tem ocupado bastante espaço na mídia: a crise econômica e financeira que tem abalado a estrutura de quase todos os países, inclusive os países desenvolvidos, tradicionalmente mais estáveis, e as políticas protecionistas.
Sobre esse tema, Lamy se mostrou bastante preocupado. Segundo o Diretor Geral da OMC, quando ocorreu a crise econômica e financeira de 2008, a possibilidade da aplicação de políticas protecionistas pelos Estados era iminente e a Organização Mundial do Comércio, no final daquele ano, estabeleceu um “sistema de monitoramento” das medidas comerciais adotadas durante a crise. Porém, apesar de algumas medidas isoladas, os Estados evitaram as políticas protecionistas. O cenário permaneceu o mesmo nos anos de 2009 e 2010. Todavia, continua Lamy, nos últimos seis meses, a OMC observou que as medidas protecionistas cresceram de tal maneira que gera certa preocupação. Reflexo da crise de 2011? Sim. Mas, comparada às crises anteriores, está ocorrendo de forma desproporcional.
Não se precisa ir muito longe para se constatar que a afirmativa de Lamy é uma realidade. O governo brasileiro não esconde que está adotando medidas para “proteger a indústria nacional”. Diariamente, alguma novidade é publicada em nossos periódicos, sejam regras mais severas na aplicação de defesa comercial, aumento da alíquota de imposto de importação, licenças não automáticas, subsídios com regras de conteúdo legal, entre outras. Este tipo de política protecionista não é apenas um “privilégio” brasileiro, muitos Estados, com medo da crise (ou pelo menos utilizando esta justificativa), também estão adotando normas para proteger a indústria doméstica, alguns de maneira explícita como o Brasil, e outros de forma mais sutil.
São nesses momentos de crises que muitas vezes percebemos como a prática se afasta da teoria, afinal qualquer estudioso do comércio internacional sabe o quão danoso é o protecionismo para a ordem econômica internacional, podendo levar para um período de recessão. Como disse Lamy: “É compreensível que em um momento de sofrimento todos nós corremos para o abrigo. Queremos proteção. Mas a ironia é que o protecionismo comercial não protege. Exportações de um país são as importações de outro país, e vice-versa. Protecionismo de um país levará ao protecionismo de outro país. E todos vão perder. Como Gandhi disse: ‘olho por olho e o mundo acabará cego’.”
O sistema multilateral do comércio do futuro, para Lamy, deve ter mecanismos de proteção, sim, mas não os tradicionais que conhecemos, considerados barreiras ao comércio. A proteção deverá vir na forma melhorias nas “redes de segurança social, investimentos em tecnologia, na educação e na infra-estrutura”. Aliás, estas recomendações parecem “cair como uma luva” a realidade brasileira. Particularmente, eu acrescentaria a esta receita, a reforma na legislação tributária e trabalhista, que oneram demasiadamente a indústria nacional e prejudicam a competitividade das empresas.
As políticas protecionistas são medidas paliativas, de curto prazo, mas não se enganem, não resolverão os problemas da indústria brasileira, pelo contrário, poderão até agravá-los e isso num futuro não tão longínquo...
Gostei do post. Acrescento também que medidas protecionistas tendem a mascarar a falta de políticas de longo prazo para aumento da competitividade de setores e empresas. Daí, há apenas essa resposta política quando sérias crises se manifestam.
ResponderExcluirPerfeito, André! Esse é um dos motivos que me fazem acreditar que estas medidas protecionistas tendem a prejudicar a indústria nacional, pois na verdade só demonstram que inexiste uma política estrutural, mas apenas conjuntural, emergencial. E isso me preocupa.
ResponderExcluirGostaria de aproveitar a oportunidade para esclarecer que não critico as normas de proteção ao comércio desleal, pelo contrário, considero-as legítimas e até mesmo necessárias. Porém acho um contra-senso ter um bom sistema de defesa comercial e ao mesmo tempo transformar-se num Estado protecionista.
Também gostaria de frisar, novamente, que o texto não é uma crítica ao governo brasileiro, mas a todos os Estados que em 2011 estão se protegendo da crise por meio de políticas protecionistas.
Talvez o G-20 deveria repetir a reunião de 2008 e propor um novo acordo “status quo”, no qual os países se comprometeriam a não aplicar medidas protecionistas. Talvez seja a forma de evitar uma recessão futura...