quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Diplomacia e comércio

 
Fonte: Valor Econômico
Autor: Antonio Patriota
A diplomacia comercial é uma ferramenta valiosa a serviço da promoção de interesses e da geração de riquezas. O objetivo da diplomacia comercial - parte das atribuições cotidianas do Itamaraty, no Brasil e no exterior - pode ser definido como o de criação de condições e prospecção de oportunidades para que o comércio internacional sirva ao projeto de desenvolvimento do país.
 
Nessa perspectiva, o primeiro desafio para a diplomacia comercial é a obtenção de melhores condições de acesso a mercados para os bens e serviços produzidos no país. Nesse front, o Brasil e a comunidade internacional em seu conjunto deparam hoje com os efeitos negativos da crise financeira de 2008, que reduziu o crescimento econômico global e a demanda por bens e serviços em todo o mundo. O impacto da crise econômica sobre o comércio é ilustrado por projeções do Fundo Monetário Internacional e da Organização Mundial do Comércio (OMC), que estimam que, neste ano, o comércio internacional crescerá somente 2,5%, o que significa uma acentuada queda em relação ao crescimento verificado em 2011, de 5%, e de 13,8% em 2010. Em outras palavras, o comércio internacional, em reversão de tendência observada por décadas, crescerá menos ainda do que o já limitado crescimento econômico global previsto para este ano, de 3,3%.
 
Conforme assinalou a presidenta Dilma Rousseff em seu discurso nas Nações Unidas, a crise mundial tem levado muitos países desenvolvidos a adotar políticas fiscais ortodoxas e recessivas que têm afetado, também, o cenário comercial mundial. Por força das políticas monetárias expansionistas que desalinham as taxas de câmbio, os países emergentes perdem mercado devido à valorização artificial de suas moedas, o que agrava ainda mais o quadro recessivo global.
 
Em um cenário de crise, o governo impulsiona novos projetos, tanto no campo negocial como no de promoção comercial
 
No plano multilateral, o impasse que paralisa a Rodada Doha não autoriza otimismo quanto à conclusão exitosa, no curto prazo, das negociações conduzidas sob o guarda-chuva da OMC. Não estão dadas as condições, por exemplo, para que finalmente sejam corrigidas as distorções que afetam o comércio internacional de produtos agrícolas, de grande interesse para os países em desenvolvimento. Ainda assim, não deve haver dúvida de que o Brasil continua comprometido com a conclusão da Rodada Doha na sua feição de "Rodada do Desenvolvimento". Diante da impossibilidade de avançar no plano multilateral, contudo, o Brasil volta sua atenção para o aprofundamento do Mercosul, a consolidação de uma zona de livre comércio sul-americana, a retomada de negociações com outros países e regiões e o aproveitamento, pela via da promoção comercial, das vantagens em matéria de acesso a mercado já obtidas até aqui.
 
Como afirmou o chanceler do Uruguai em visita ao Brasil na semana passada, o Mercosul vive um momento de força. O Mercosul é um projeto que permitiu que o intercâmbio do Brasil com o bloco mais que decuplicasse desde sua criação, passando de US$ 4,5 bilhões, em 1991, para US$ 47,2 bilhões, em 2011. Os bens manufaturados representam mais de 90% das exportações brasileiras para o agrupamento, configurando fonte de geração de empregos de alta qualidade no país.
 
O Mercosul, porém, não beneficiou somente o Brasil. Todos os sócios ganharam com o aumento das trocas intrarregionais. O amplo mercado consumidor brasileiro, que tem conhecido expansão sem precedentes nos últimos anos, está aberto aos vizinhos. Com o recente ingresso da Venezuela, o bloco amplia seu potencial, integrando 28 milhões de novos consumidores ao mercado do Mercosul.
Na América do Sul, a rede de acordos comerciais negociados no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) assegura a conformação de uma zona de livre comércio sul-americana em 2019. A essa realidade somam-se os esforços empreendidos no âmbito da Unasul com vistas a desenvolver a infraestrutura regional de transportes e a criar mecanismos que estimulem e facilitem tanto o comércio como os investimentos. Sabemos que a América do Sul - inclusive o Mercosul - não está imune aos impactos da crise de 2008. As dificuldades específicas e pontuais enfrentadas por seus integrantes, contudo, não diminuem o comprometimento brasileiro com o Mercosul ou com a integração sul-americana.
 
Em um contexto de crise internacional e de impasse nas negociações multilaterais, o governo brasileiro impulsiona novos projetos, tanto no campo negocial como no de promoção comercial. Fazem parte desse processo as consultas públicas aprovadas recentemente pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), destinadas a aferir a percepção dos agentes econômicos brasileiros em relação a acordos de livre comércio do Mercosul com a União Europeia e o Canadá.
 
No campo da promoção comercial, é intenso o esforço para apoiar os agentes econômicos no aproveitamento ao máximo das oportunidades de negócios viabilizadas por acordos comerciais já negociados até aqui. No âmbito do Mercosul, será realizado, por ocasião da Reunião de Cúpula de Brasília, em dezembro do corrente ano, o primeiro grande evento empresarial do agrupamento, o que curiosamente somente ocorre 21 anos após a entrada em vigor do Tratado de Assunção. Na mesma linha, missões empresariais têm sido realizadas à margem das viagens oficiais da presidenta Dilma Rousseff, e grande número de eventos voltados para a promoção do produto nacional, no Brasil e no exterior, refletem a estreita cooperação entre o Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior/Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Mdic/Apex).
 
As regras comerciais de que hoje dispomos - fundamentais - são aquelas reunidas nos acordos da OMC, com suas imperfeições e lacunas. Para aperfeiçoá-las e completá-las, será preciso a anuência de 157 soberanias, que perfazem juntas 98% do comércio internacional. A complexidade dessa tarefa, aliada aos efeitos persistentes da crise econômico-financeira internacional, impõe à diplomacia comercial brasileira desafios novos que vem sendo enfrentados com criatividade e determinação. Ciente da importância da diplomacia comercial como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional, o Itamaraty dela se ocupa com renovada e diferenciada atenção.
 
Antonio de Aguiar Patriota é ministro das Relações Exteriores.

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